A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) trabalha na elaboração de medidas para enfraquecer o que ele chama de "cartel da Febraban", a Federação Brasileira de Bancos. Segundo relatos feitos à reportagem por auxiliares do ministro, ele deseja avançar com a pauta de ações que promovam desconcentração bancária e desregulamentação do setor.
A rixa com a entidade que representa grandes bancos veio a público no fim de outubro, quando Guedes chamou a Febraban de "casa de lobby" e acusou a federação de financiar "ministro gastador" para furar a regra do teto, que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação.
O objetivo da equipe econômica é reduzir o domínio dos grandes bancos no mercado, abrindo espaço para mais participantes, com estímulo às fintechs - empresas mais enxutas que usam tecnologia para prestar serviços financeiros.
As ações na área podem ser adotadas pelo Banco Central (BC) e o Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão no qual Guedes tem dois dos três votos.
O CMN, órgão superior do sistema financeiro nacional responsável por formular a política da moeda e do crédito, é presidido por Guedes e tem mais dois integrantes: o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, subordinado a Guedes, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
De acordo com pessoas próximas ao ministro, ele não quer a implementação de um plano que seja contra bancos ou direcionado a um grupo específico, e sim medidas que estimulem a competição no setor.
Segundo relatos, a ordem é que as mudanças, tratadas como sigilosas, sejam feitas de maneira lenta e gradual.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que não vai comentar. A Febraban, por sua vez, disse que o setor bancário sempre colaborou com a agenda de competitividade e é favorável a medidas que estimulem a entrada de novos participantes, preservando-se a isonomia de regras.
"Um certo nível de concentração é algo comum no setor bancário do mundo todo e está ligado ao fato de ser intensivo em capital e exigir investimentos em montante elevado e, muitas vezes, com retorno de longo prazo", disse a entidade.
Fundada em 1967, a Febraban é a principal entidade representativa de bancos no país e tem 119 associados.
Seus conselhos e diretorias têm nomes dos maiores bancos em atuação no país, como Itaú, Bradesco, Santander, J.P. Morgan, Safra, BTG, Banco do Brasil e Caixa.
Nos últimos meses, Guedes vem criticando a Febraban em reuniões com auxiliares.
Fontes da pasta afirmam que o principal ressentimento do ministro é com o fato de a entidade ser declaradamente contra a criação de um novo imposto sobre transações aos moldes da extinta CPMF. A proposta é defendida pelo ministro para viabilizar um corte de encargos trabalhistas.
Na avaliação de Guedes, a federação é contraditória ao fazer as críticas porque os bancos dizem não aceitar o novo imposto, mas cobram taxas sobre movimentações feitas por clientes.
No fim de outubro, o ministro levou a briga a público. Em audiência no Congresso transmitida pela internet, enquanto comentava a possibilidade de criação do novo tributo, Guedes disse que a Febraban atua para enfraquecer seu trabalho no governo.
"A Febraban é uma casa de lobby, muito honrada, muito justo o lobby, mas tem que estar escrito na testa 'lobby bancário', que é para todo mundo entender do que se trata. Inclusive, financiando estudos que não têm nada a ver com a atividade de defesa das transações bancárias. Financiando ministro gastador para ver se fura o teto, para ver se derruba o outro lado", disse.
Ao contrário da afirmação, o estudo mencionado por Guedes segue a linha liberal e busca alternativas para que a iniciativa privada amplie sua atuação em ações do governo.
O levantamento, parcialmente bancado pela Febraban, é uma parceria assinada com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho.
Guedes afirma que o colega teria interesse em ampliar gastos públicos e estourar o teto. Os dois ministros protagonizam cenas de desavenças mútuas há meses.
Essa não é a primeira vez que Guedes faz críticas aos bancos publicamente. Em maio deste ano, em live do Itaú, o ministro disse que "200 milhões de trouxas" são explorados por seis bancos e defendeu a desconcentração do setor.
"Em vez de termos 200 milhões de trouxas sendo explorados por seis bancos, seis empreiteiras, seis empresas de cabotagem, seis distribuidoras de combustíveis; em vez de sermos isso, vai ser o contrário. Teremos centenas, milhares de empresas", afirmou na ocasião.
A desconcentração do segmento, porém, não começou por iniciativa de Guedes.
O tema entrou na pauta de prioridades do BC na gestão de Ilan Goldfajn (2016-2018). Em 2019, último dado divulgado pela autarquia, as cinco maiores instituições financeiras representavam quase 70% do mercado de crédito, incluindo o segmento não bancário (financeiras, fintechs e cooperativas, por exemplo). Em 2016, o grupo tinha 74,3% da carteira total.
Os maiores bancos do país são Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica, Itaú e Santander. Quando se considera só segmento bancário, os cinco concentram 80,7% do mercado de crédito --a fatia chegou a ser de 83,4% em 2016.
O grupo também acumula a maior parte dos depósitos de clientes (conta-corrente), com 77,6% de todo o sistema financeiro, e 82,3% na comparação somente entre bancos.
Com Campos Neto na presidência do BC, medidas pró-competição e de inovação tecnológica saíram do papel.
Exemplos são o Pix, sistema de pagamentos instantâneos, e o open banking, ou sistema financeiro aberto, que permitirão a entrada de mais empresas no segmento e reduzirão a vantagem dos maiores.
O open banking, plataforma pela qual clientes podem compartilhar informações e encontrar serviços financeiros mais baratos, por exemplo, gerou resistência entre os bancos maiores, que queriam ter mais poderes do que os menores no novo modelo.
O professor de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) Rafael Schiozer pontua que o setor financeiro no Brasil é concentrado em qualquer comparação, seja com países emergentes ou desenvolvidos.
"Aqui as fusões [de instituições] são feitas entre as maiores, o que só piora. Acredito que se fossem realizadas entre as menores, elas se tornariam mais competitivas", pondera.
Para Schiozer, a crítica de Guedes é exagerada. "A Febraban é a entidade que defende os interesses dos bancos. A palavra lobby é muito forte, mas me espantaria se não fizesse. Talvez o BC ceda mais do que deveria, mas hoje em dia sofre muito menos influência. Também não é uma saída ser inflexível ao diálogo", diz.
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