O ministro da Economia, Paulo Guedes, negou nesta quarta-feira (21) que a transferência do novo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para o Banco Central abra brecha para indicações políticas e defendeu que a intenção, na verdade, foi despolitizar o órgão de inteligência financeira.
Guedes falou a jornalistas ao fim de uma reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e líderes de partidos na Câmara.
Na segunda-feira (19), a Folha de S.Paulo mostrou que a medida provisória assinada por Bolsonaro possibilita que ocupantes de cargos comissionados, que não necessariamente são servidores públicos, integrem o quadro técnico-administrativo do órgão, que passa a se chamar Unidade de Inteligência Financeira.
"A decisão do Coaf foi para despolitizar um órgão da República que estava sendo politizado", disse Guedes. Não estou dizendo que estavam botando político. A demarcação de territórios numa democracia ocorre o tempo inteiro. Visivelmente o Coaf se transformou num foco de conflito político, de demarcação institucional de território. Como você blinda isso politicamente? Você faz um aperfeiçoamento institucional."
Segundo Guedes, o BC é um lugar natural para o Coaf, principalmente se a medida for acompanhada da autonomia do Banco Central.
"Só reforça a ideia de que esse órgão não está ao alcance de influências políticas, seja de quem quiser perseguir um político, seja de quem quiser dar impunidade a um político, seja quem queira perseguir um contribuinte, seja quem queira isentar um contribuinte."
Guedes afirmou ainda não ser razoável que um ministro concentrasse tantos poderes como ele estava concentrando com o Coaf debaixo do Ministério da Economia. Como a Receita Federal também está subordinada à pasta, defendeu, seria possível invadir a privacidade de contribuintes ou mesmo fazer uso político dos dados.
"Não é razoável que um ministro tenha tanto poder. Virou um fiscal da privacidade dos outros. Eu faço questão que esse poder não fique aqui concentrado."
Maia também defendeu a transferência do Coaf para o BC e rejeitou que isso abra brecha para nomeações políticas no órgão.
"Isso está errado. O Banco Central já existe. Ninguém nunca viu uma discussão de que algum político tentou nomear alguém no Banco Central. Colocar o Coaf no BC é garantir que não vai ter nomeação política."
O presidente da Câmara disse que vai trabalhar pessoalmente para aprovar a medida provisória do jeito que foi encaminhada ao Congresso pelo presidente Bolsonaro.
"A decisão do ministro Paulo Guedes de colocar sob o BC é justamente essa a medida que limita ou inviabiliza qualquer tentativa de espaço político. E outra coisa, não é uma nomeação política que diz que uma empresa ou instituição vai trabalhar de forma certa ou errada."
Maia afirmou que a transferência também pode ajudar a atrair quadros do mercado para o Coaf. "Ter quadros da sociedade que vêm da experiencia do setor privado também pode ser um caminho importante."
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, decidiu indicar Ricardo Liáo para chefiar o novo Coaf. Liáo, 64, é servidor aposentado do BC e já integrava a cúpula do Coaf desde abril de 2013. Sua ascensão foi planejada pelo Ministério da Economia para transmitir a mensagem de que não haverá quebra nos trabalhos mesmo com as mudanças estruturais feitas no órgão.
Criado em 1998, o Coaf é um órgão de inteligência financeira que investiga operações suspeitas e se tornou pivô neste ano de uma investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
O Coaf recebe informações de setores que são obrigados por lei a informar transações suspeitas de lavagem de dinheiro, como bancos e corretoras. O conselho analisa amostras desses informes e, se detectar suspeita de crime, encaminha o caso para o Ministério Público.
Durante a crise do mensalão, ofícios do Coaf entregues à CPI dos Correios indicaram, por exemplo, grande volume de saques em espécie por parte da SMPB, empresa de Marcos Valério, o operador que abasteceu o esquema de pagamentos a políticos da base do governo petista.
Mais recentemente, o Coaf identificou movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro.
De acordo com o órgão, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 ao mesmo mês de 2017 -entraram em sua conta R$ 605 mil e saíram cerca de R$ 600 mil. A quantia foi considerada incompatível com o patrimônio do ex-assessor de Flávio.
ENTENDA O PAPEL DO COAF
O que é?
Criado pela lei dos crimes de lavagem (nº 9.6313/1998), é uma unidade de inteligência financeira ligada agora ao Banco Central. Envia relatórios a autoridades quando identifica indícios de crimes de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo ou de outros ilícitos. O Coaf não investiga.
Quem o abastece?
Há setores da economia que são obrigados, por lei, a informar ao Coaf sobre movimentações financeiras suspeitas, como bancos, empresas seguradoras e de previdência privada, joalherias, comércio de bens de luxo ou de alto valor e comércio de imóveis.
Em quais casos esses setores comunicam o Coaf?
Há a comunicação de operações suspeitas e a de operações em espécie acima de determinado valor estabelecido em norma.
Como o órgão repassa esses dados às autoridades que fazem investigação?
Por meio de relatórios de inteligência financeira, compartilhados em um sistema eletrônico próprio, que dá agilidade e preserva o sigilo. Eles não são provas de crimes, apenas indícios que devem ser apurados.
O que já fez o Coaf?
Desde 2011, produziu relatórios que basearam investigações como Lava Jato e Cadeia Velha. Atuação junto a Ministério Público e autoridades policiais resultou, de jan. a nov. de 2018, no bloqueio judicial de R$ 125 milhões.
O que muda com a MP?
O órgão vai para o Banco Central e passa a se chamar UIF (Unidade de Inteligência Financeira), mas mantém as mesmas funções. Também houve mudanças nas regras de nomeação de integrantes: agora, a MP possibilita a escolha de ocupantes de cargos comissionados, que não necessariamente são servidores públicos.
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