BRASÍLIA - Com a meta de zerar o déficit primário em 2024, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta quinta-feira (28) três novas medidas para evitar perda de arrecadação e reforçar o caixa da União no próximo ano.
O pacote fará parte de uma MP (medida provisória), que entrará em vigor após sua publicação e será encaminhada ao Congresso Nacional. O texto não foi apresentado pela equipe econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante o anúncio das propostas.
Faz parte do plano a reoneração gradual da folha por atividade como alternativa à derrubada do veto à prorrogação do benefício até dezembro de 2027. Uma vez publicada, a MP irá revogar a lei que renova a desoneração da folha promulgada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta quinta, conforme publicação no DOU (Diário Oficial da União).
Outra medida vai limitar a compensação tributária com decisões judiciais sobre créditos acima de R$ 10 milhões. A Fazenda ainda prevê mudança na lei do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) — que oferece benefícios para empresas aéreas e ligadas a entretenimento.
O secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, também participaram do anúncio de medidas.
De acordo com Barreirinhas, as medidas anunciadas vão permitir a compensação do rombo de R$ 12 bilhões que seria gerado pela desoneração de folha de pagamento. Primeiro, porque a reoneração gradual irá gerar uma economia de R$ 6 bilhões e, segundo, porque as alterações no Perse irão representar a economia de outros R$ 6 bilhões.
O plano de Fazenda tem o objetivo compensar a renúncia fiscal com a manutenção da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia até dezembro de 2027, após o veto do presidente Lula ter sido derrubado pelo Congresso Nacional.
"Estamos encaminhando ao Congresso uma reoneração gradual, está sendo analisado setor a setor, vão ter oportunidade depois de conhecer o texto. Reoneração gradual, não necessariamente volta 20% de cota patronal, pode ficar abaixo disso e ficará abaixo em alguns casos", disse Haddad.
O ministro prosseguiu e disse que agora será testado "um ingrediente novo".
"A ideia é isentar de pagamento de cota patronal o primeiro salário mínimo que o trabalhador receber. Se ele ganhar um salário mínimo não vai pagar, se ele ganha dois, na prática a cota patronal vai ser metade, de qualquer trabalhador celetista. Essa é a ideia que vamos testar e entendemos que pode ser caminho interessante, sobretudo para empregabilidade de população de mais baixa renda."
O benefício da desoneração da folha foi criado em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), e teve sucessivas prorrogações. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
Entre os 17 setores da economia beneficiados está o de comunicação. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, entre outros.
A reoneração parcial vai considerar a atividade principal de cada empresa por meio da CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas).
Ao detalhar a medida, Barreirinhas disse que não haverá isenção de pagamento. De acordo com o secretário, passará a ser aplicada uma alíquota de 10% sobre a faixa de um salário mínimo de todos os funcionários no caso das 17 atividades que contam com maiores benefícios hoje e de 15% para outras 25 atividades, que possuem menos benefícios na sistemática atual da desoneração.
Nas contas do Ministério da Fazenda, a extensão da desoneração da folha drenaria R$ 12 bilhões anuais aos cofres públicos.
VEJA OS 17 SETORES AFETADOS
Haddad chegou a declarar que o governo recorreria à Justiça para que a lei fosse considerada inconstitucional, mas dias depois afirmou que o Executivo iria tentar avançar com a alternativa legal antes de buscar o "remédio judicial".
Ao apresentar a medida de compensação tributária, Haddad mencionou a chamada "tese do século" do STF (Supremo Tribunal Federal), que trata da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.
"Você não apenas não tem compensação tributo a tributo como não tem um acompanhamento de uma autoridade sobre se compensação está sendo feita na forma da decisão judicial. Então, isso gerou uma queda de arrecadação de mais de R$ 60 bilhões não esperada a título de compensação", disse Haddad.
"Estamos limitando o que empresa pode compensar de um ano para o outro. Tem empresas multinacionais há anos sem pagar imposto a título de compensação. Então, ela vai poder [compensar], mas está limitada a determinado percentual para que a Receita [Federal] possa planejar o resultado primário do ano com alguma garantia", acrescentou o ministro, citando o teto de 30%.
De acordo com Barreirinhas, a medida que limita as compensações ainda será regulamentada e valerá para decisões judiciais sobre créditos acima de R$ 10 milhões. "Quando tiver decisão judicial superior a R$ 10 milhões, vai haver uma limitação temporal para utilização desse crédito", disse.
O secretário disse que as decisões superiores ao patamar estabelecido representaram R$ 35 bilhões em créditos tributários em 2023. Segundo ele, a medida que limita as compensações judiciais poderá representar um impacto de cerca de R$ 20 bilhões de fluxo a mais em 2024.
No entanto, Barreirinhas disse que não considera esta como uma ação arrecadatória porque a MP estabelecerá um escalonamento na compensação, que ainda deverá ser feita, mas dividida em até cinco anos.
Segundo o secretário, em vez de o montante ser compensado apenas no próximo ano, isso será parcelado em no máximo cinco anos, o que aliviará os cofres públicos em 2024.
Haddad afirmou que isso ajudará a Receita Federal a recuperar a sua capacidade de planejamento.
Sobre o Perse, Haddad destacou que houve renúncia fiscal acima do previsto originalmente e anunciou a volta da cobrança de tributos. O programa, criado de forma emergencial durante a pandemia de Covid-19, foi renovado neste ano.
"Por alguma razão que não foi discutida conosco, decidiu-se prorrogar por mais cinco anos com o seguinte compromisso, que esse programa ficaria limitado de R$ 4 bilhões ao ano de renúncia fiscal", disse.
Acontece que estamos fechando o primeiro ano com mais de R$ 16 bilhões de renúncia fiscal. Isso é a parte informada pelo contribuinte, não temos noção o que não foi informado e não foi pago", continuou.
As mudanças tributárias serão realizadas gradualmente nos próximos dois anos. Devido à chamada noventena — regra que determina prazo de 90 dias para alteração de alíquota — as empresas vão pagar contribuições somente a partir de maio de 2024.
Além disso, elas ainda estarão isentas de pagamento de Imposto de Renda no ano que vem por conta do princípio da anualidade. Consequentemente, a cobrança será retomada a partir de 2025.
"Mesmo com essa recuperação de uma parcela do benefício do Perse, isso é suficiente para cobrir todo o programa de desoneração. Para reiterar aquilo que o ministro falou, como é pesado o Perse para o Orçamento", disse o secretário da Receita.
A equipe econômica propõe novas medidas em meio ao ceticismo dos analistas sobre a viabilidade da meta do governo de zerar o déficit primário em 2024.
Além das alterações feitas nas propostas aprovadas no Congresso, que reforçaram o questionamento sobre o potencial de aumento de arrecadação, o cenário fica prejudicado pela esperada desaceleração da economia, que deve limitar a expansão natural das receitas no ano que vem.
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