A inflação oficial do país, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), voltou a acelerar e registrou variação de 0,96% em julho. Puxado pela energia elétrica mais cara, o resultado é o maior para o mês desde 2002, quando o índice foi de 1,19%.
A variação de 0,96% ocorreu após avanço de 0,53% em junho, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta terça-feira (10).
O resultado de julho veio próximo das expectativas do mercado. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam variação de 0,95%.
Com o resultado, o IPCA chegou a 8,99% no acumulado de 12 meses. Isso significa que o indicador ampliou a distância em relação ao teto da meta de inflação perseguida pelo BC (Banco Central) neste ano. No acumulado até junho, a variação estava em 8,35%.
O teto da meta de inflação em 2021 é de 5,25%. O centro é de 3,75%.
Dos nove grupos de produtos e serviços do IPCA, oito tiveram alta em julho. A maior variação (3,1%) e o maior impacto (0,48 ponto percentual) vieram de habitação.
O resultado desse grupo foi influenciado pela energia elétrica, que acelerou para 7,88% no mês passado. Segundo o IBGE, o item respondeu pelo principal impacto individual (0,35 p.p.) no IPCA do período.
O instituto destacou que, em julho, o país teve reajuste no valor adicional da bandeira vermelha patamar 2, o que pressionou as contas de luz. Além disso, houve avanços tarifários de 11,38% em São Paulo, de 8,97% em Curitiba e de 9,08% em uma das concessionárias de Porto Alegre.
"Além dos reajustes nos preços das tarifas em algumas áreas de abrangência do índice, a gente teve o reajuste de 52% no valor adicional da bandeira tarifária vermelha patamar 2 em todo o país. Antes o acréscimo nessa bandeira era de, aproximadamente, R$ 6,24 a cada 100kWh consumidos e, a partir de julho, esse acréscimo passou a ser de cerca de R$ 9,49", explicou André Filipe Guedes Almeida, analista da pesquisa do IBGE.
A segunda maior contribuição (0,32 p.p.) entre os grupos veio de transportes (1,52%). Dentro do segmento, o destaque foi para as passagens aéreas, cujos preços subiram 35,22%, após queda 5,57% em junho. As passagens de avião, aliás, responderam pelo segundo maior impacto individual (0,10 p.p.) no IPCA de julho.
Já a gasolina subiu 1,55%, após avanço de 0,69% em junho. Assim, teve o terceiro maior impacto individual (0,09 p.p.) no IPCA do mês passado.
O único dos nove grupos com queda na inflação em julho foi saúde e cuidados pessoais (-0,65%). O resultado, diz o IBGE, teve relação com a baixa nos preços dos planos de saúde. Em julho, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) autorizou redução de 8,19% nos serviços, em função da menor demanda por modalidades de saúde suplementar durante a pandemia.
Almeida relatou que diversos fatores podem explicar o comportamento recente da inflação. Um deles é o aumento nos custos de operação das empresas, que podem ser repassados para os consumidores.
Segundo o analista, mesmo que a inflação tenha subido em oito dos nove grupos em julho, é preciso aguardar para saber se o avanço dos preços terá caráter generalizado nos próximos meses.
A escalada do IPCA ganhou corpo ao longo da pandemia. Em um primeiro momento, houve disparada de alimentos e, em seguida, avanço de combustíveis. Alta do dólar, estoques menores e avanço das commodities ajudam a explicar o comportamento dos preços.
Não bastasse essa combinação, a crise hídrica também passou a ameaçar o controle da inflação. É que a escassez de chuvas eleva os custos de geração de energia elétrica. O reflexo é a luz mais cara nos lares dos brasileiros. Seca e geadas ainda afetaram a produção de grãos, pressionando preços.
Além de pesar no orçamento das famílias, a alta nas tarifas também eleva os custos de operação das empresas. A situação ocorre no momento em que o consumo de bens e serviços é desafiado pelo aumento do desemprego no Brasil.
Devido ao comportamento da inflação, analistas do mercado financeiro ouvidos pelo BC vêm subindo suas projeções para o IPCA. A estimativa mais recente que aparece no boletim Focus indica avanço de 6,88% ao final de 2021. Ou seja, acima do teto da meta. A edição mais recente do Focus foi publicada pelo BC na segunda-feira (9).
"A variação de 0,96% em julho era algo previsível, porque sabíamos que a principal influência seria da energia elétrica, com o reajuste na bandeira vermelha", frisa o economista Matheus Peçanha, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O pesquisador lembra que as geadas registradas no final de julho devem gerar reflexos nos preços de parte dos alimentos a partir de agosto, já que o frio intenso danificou plantações. Na visão de Peçanha, o cenário para a inflação continua "nebuloso".
"Temos incertezas para todos os lados. A gente não sabe ainda quando vai superar a crise sanitária, nem se a crise hídrica vai persistir. O cenário ainda está nebuloso, mas todos estão confiando na atuação do BC", analisa.
Em uma tentativa de frear a inflação, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) voltou a subir a taxa básica de juros (Selic) no último dia 4. Na ocasião, confirmou alta de 1 ponto percentual na Selic, para 5,25% ao ano. Foi a maior elevação em 18 anos.
O risco de desajuste nas contas públicas pesou na decisão do Copom, indicou a ata da reunião, publicada nesta terça-feira. A manifestação ocorreu em meio a incertezas fiscais relacionadas ao custeio do novo programa social do governo federal, o Auxílio Brasil, e ao pagamento de precatórios (dívidas do governo na Justiça). O desequilíbrio nas finanças públicas pode pressionar a inflação.
"O Comitê ponderou que os riscos fiscais continuam implicando um viés de alta nas projeções. Essa assimetria no balanço de riscos afeta o grau apropriado de estímulo monetário, justificando assim uma trajetória para a política monetária mais contracionista do que a utilizada no cenário básico", diz a ata do colegiado.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, avalia que a inflação maior pode representar um desafio para a atuação do BC inclusive em 2022. No entanto, as perspectivas para os preços no próximo ano ainda não provocam grandes preocupações neste momento, pondera o analista.
Segundo ele, o IPCA acumulado tende a perder fôlego nos próximos meses, com impacto menor das contas de luz, mas ainda assim deve fechar o ano acima do teto da meta. Sanchez projeta avanço de 6,9% em 12 meses até dezembro.
De acordo com estudo divulgado pelo Itaú Unibanco na semana passada, a inflação no mundo foi puxada, até junho, por commodities e gargalos de produção, que provocam escassez de insumos especialmente na indústria automobilística.
O Itaú sinaliza que a pressão nos preços causada pela reabertura da economia era sentida com maior força apenas em países à frente no processo de vacinação contra a Covid-19. O destaque, nesse caso, fica com os Estados Unidos.
O economista Rodrigo Sodré, sócio da BRA Investimentos, avalia que a inflação tende a desacelerar nos próximos meses com impacto menor da energia elétrica e com maior oferta de produtos. "A energia não deve ter um preço menor nos próximos meses, mas pelo menos não vai ter um reajuste tão alto como em julho", diz. O IPCA tende a fechar o ano perto de 7%, relata Sodré.
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