Um projeto de lei que tenta reverter a abertura de mercado do transporte interestadual de ônibus está no centro de uma disputa entre senadores e o Ministério da Infraestrutura. Para conseguir avançar na proposta que prevê a autonomia do Banco Central, a articulação política do governo aceitou que o projeto fosse votado pelo Senado, mesmo desagradando à ala técnica do Executivo. Diante do cenário, a pasta comandada por Tarcísio de Freitas se empenha para barrar a proposta, cujo teor também passou a incomodar um grupo de senadores.
O texto altera a forma de entrada de empresas que querem operar linhas de transporte rodoviário interestadual e internacional. Pela regra atual de "autorização", trazida por uma lei de 2014, qualquer empresa pode prestar o serviço, sem restrição e com liberdade de preços. No Ministério da Infraestrutura, o modelo é defendido para aumentar a concorrência no setor e, consequentemente, baixar os preços para a população. Já o projeto de lei quer resgatar uma modalidade usada no passado, de "permissão", que exige um processo de licitação e maior controle estatal nos processos.
Apesar de o regime atual já estar previsto em lei há seis anos, a abertura do mercado só começou no fim de 2019, quando a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o governo passaram a regulamentar as regras. Desde então, empresas já consolidadas no setor agem fortemente para tentar reverter esse cenário, que impõe maior competição no mercado.
No Senado, quem relata o projeto de lei é o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), cujos familiares são donos do grupo Eucatur, que opera empresas de ônibus interestaduais. O senador, por sua vez, diz que se sente à vontade para relatar o projeto e que sua preocupação é com o usuário do transporte. Gurgacz e outros parlamentares que defendem a matéria dizem que a exigência de licitação está prevista na Constituição. No entanto, o texto constitucional também prevê que o modelo de autorização possa ser usado.
Depois de várias tentativas ao longo dos últimos meses, a matéria quase foi aprovada no Senado na terça-feira em votação simbólica. Mas a pressão de mais de dez senadores contrários atrapalhou o acordo fechado entre as lideranças e a deliberação foi adiada para ontem.
A situação evidenciou o embaraço na articulação política do governo, que numa moeda de troca para aprovar o PL de autonomia do BC aceitou que o Senado votasse o texto que desagrada a um dos ministros mais próximos de Bolsonaro. Com a sessão de ontem cancelada, no entanto, uma nova data para a votação é incerta.
Se for aprovada pelo Senado, a matéria ainda precisaria ser apreciada pela Câmara. Para os opositores do texto, uma das saídas consideradas também está no Supremo Tribunal Federal, onde tramita uma ação sobre o tema. A expectativa dessa ala é de que a Corte dê aval para o regime de "autorização", o que enfraqueceria as chances de o Congresso ir em frente com o projeto.
Até que o impasse seja resolvido, o projeto também tem impacto em outro tema caro ao governo: as indicações para a ANTT. Entre as três agências ligadas ao Ministério da Infraestrutura, a agência de transportes é a única que não teve novas indicações deliberadas pelo Senado em outubro. O favorito para assumir a diretoria-geral, Davi Barreto, foi um dos principais integrantes da ANTT a trabalhar pelas regras atuais do transporte rodoviário interestadual.
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