O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta terça-feira (27) uma MP (medida provisória) que revoga a reoneração da folha de empresas de 17 setores e prefeituras. O Executivo enviará um projeto de lei tratando do tema e estuda como reduzir o risco de bloqueio na primeira avaliação do Orçamento de 2024.
O governo vinha contando com a manutenção da MP como estratégia para evitar uma perda de até R$ 16 bilhões em receitas com a desoneração da folha na próxima revisão de receitas e despesas, a ser feita em 22 de março.
O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou nesta terça que, dos quatro pontos da MP — reoneração de empresas, reoneração de prefeituras, revogação do Perse e limitação para compensação tributária—, continuarão no texto em vigor somente os dois últimos.
A MP restringiu o abatimento integral a créditos judiciais de até R$ 10 milhões e estabeleceu um parcelamento para valores maiores, uma forma de evitar que essas compensações acabem dilapidando a arrecadação federal.
Desde sua edição, a medida é considerada a "âncora fiscal" do primeiro relatório. O intuito do governo era deixar a revogação para depois dessa data, para afastar o risco de um maior contingenciamento de despesas devido à frustração na arrecadação. No entanto, a pressão de parlamentares e empresários subiu no fim de semana.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), havia adiantado nesta terça-feira (27) que Lula assinaria a MP antes da viagem à Guiana, programada para esta quarta (28).
Integrantes da equipe econômica afirmam que "as negociações têm sido duras", o que colocou o governo numa posição difícil: aceitar revogar parte da MP antes mesmo de ter fechado os cálculos da fonte alternativa de arrecadação e saber se ela será suficiente para minimizar o bloqueio.
A ideia é incluir no relatório de avaliação o ganho previsto nas receitas com a medida que limita o uso de créditos judiciais para abater tributos a pagar — expediente que rendeu descontos bilionários a empresas que foram vitoriosas na chamada tese do século, que tirou o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins.
A MP restringiu o abatimento integral a créditos judiciais de até R$ 10 milhões e estabeleceu um parcelamento para valores maiores, uma forma de evitar que essas compensações acabem dilapidando a arrecadação federal.
O problema é que ainda não há uma conta precisa e fundamentada pelos técnicos para garantir a inclusão na avaliação que será apresentada em menos de um mês.
Valores preliminares citados nos bastidores vão de R$ 20 bilhões a R$ 60 bilhões, uma dispersão grande que já dá ideia do desafio de refinar os números.
Técnicos ouvidos reservadamente pela reportagem afirmam que não se trata de uma estimativa trivial, pois depende de uma série de regras e dados efetivos do uso desses créditos judiciais nas primeiras semanas do ano.
Segundo esses interlocutores, a medida já surtiu efeitos sobre a utilização de créditos de ação judicial, mas ainda não foi possível avaliar em que montante, nem que tendência isso dita para o restante do ano.
Nas notas técnicas que fundamentaram a MP, o governo informou que, até 31 de agosto de 2023, apenas 495 empresas informaram créditos judiciais acima de R$ 10 milhões, que totalizavam R$ 35,36 bilhões em compensações.
A limitação do uso dos créditos judiciais foi prevista na mesma MP da reoneração e, pela estratégia atual, será mantida no texto. A equipe econômica também pretende manter em vigor o fim do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), mas as resistências no Congresso geram preocupação no Executivo.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) deve insistir na mudança do Perse e pretende anunciar números que mostram a perda de arrecadação com o programa em razão de abusos e fraudes. O TCU (Tribunal de Contas da União) deve ajudar no trabalho de validação dos números da Fazenda, como já ocorreu durante a tramitação da reforma tributária para o cálculo da alíquota dos novos impostos.
Na semana passada, Haddad afirmou em entrevista à GloboNews que o Executivo vai enviar um projeto de lei em regime de urgência para conduzir as negociações sobre a reoneração da folha e chegou a dizer que a parte referente à desoneração "vai ser tratada exclusivamente no PL, vai ser suprimida da MP".
Questionada na semana passada, porém, a Fazenda não respondeu ao pedido de esclarecimento se o "suprimida" significava a revogação parcial da medida.
Na quinta-feira (22), o ministro Rui Costa (Casa Civil) disse à Folha de S.Paulo que o governo estava dialogando com o Congresso sobre o tema e citou apenas o projeto de lei como solução para o impasse.
"O ministro Haddad teve uma reunião ontem [quarta, 21] sobre a MP 1.202, que vai ser desdobrada em projeto de lei", afirmou após a posse de Flávio Dino como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
O governo vai discutir a reoneração da folha por meio de um projeto de lei com urgência constitucional, rito especial que dá à Câmara e ao Senado o prazo total de 90 dias para votação.
"Os termos do projeto de lei deverão ser ipsis literis os que estão na MP. Por óbvio, a posição é diferente no Congresso. Vamos para o debate e fazer o ajuste", afirmou Randolfe nesta terça.
Segundo o líder do governo, o rito de tramitação do Perse ainda não está definido. Diferentemente do que anunciou na semana passada o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Randolfe disse que a situação da contribuição previdenciária paga por municípios também está em aberto.
"Em princípio, a ideia é não tratar a questão dos municípios pelo projeto de lei. O Ministério da Fazenda se colocou à disposição para ter um debate com os 17 setores e abrir outro tipo de diálogo com os municípios", disse Randolfe.
A desoneração da folha foi criada em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
A desoneração vale para 17 setores da economia.
Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, entre outros.
A prorrogação do benefício até o fim de 2027 foi aprovada pelo Congresso no ano passado, mas o texto foi integralmente vetado por Lula. Em dezembro, o Legislativo decidiu derrubar o veto presidencial, restabelecendo o benefício setorial.
Em reação, o ministro da Fazenda enviou uma MP ao Congresso, propondo a reoneração gradual da folha de pagamentos e a consequente revogação da lei promulgada após a derrubada do veto.
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