O difícil acesso ao crédito, os altos juros cobrados nos empréstimos, mesmo com a taxa básica em queda histórica, e o temor de que o novo normal seja um constante abre e fecha dos negócios, têm ampliado a busca de pequenos e médios empresários por alternativas de crédito.
Na outra ponta, surgiram nova modalidades para atender essa demanda. Uma delas foi o Estímulo 2020, um Relief Fund (fundo de alívio, na tradução livre).
Trata-se do primeiro fundo brasileiro criado para apoiar pessoas ou uma comunidade, principalmente pequenos negócios, afetados pela crise do novo coronavírus e que encontram dificuldades para conseguir empréstimos nos bancos tradicionais.
"Os caminhos brasileiros são muito burocráticos e as respostas não foram tão rápidas quanto precisariam ser", diz o empresário Eduardo Mufarej, que idealizou o fundo.
Fundador do GK Ventures, que investe em empresas, e do RenovaBR, movimento que busca formar novas lideranças políticas, Mufarej conta à reportagem como driblou os trâmites burocráticos e emprestou R$ 20 milhões a 320 empresas sem o intermédio de um banco.
"Os problemas de uma crise como essa são perecíveis, não adianta chegar com o crédito de apoio para as empresas em dezembro porque, até lá, elas já morreram", afirmou Mufarej.
"É preciso criar novos mecanismos que não vão por meio dos bancos. É preciso que sejamos mais criativos para driblar isso."
O Estímulo tem um pouco a ver com a minha trajetória pessoal. Minha mãe, que tinha uma pequena operação fabril, acabou quebrando depois da crise energética de 2001, sem conseguir acesso a crédito para sobreviver.
Eu lembro do quão impotente ela ficou naquele cenário e, naquele momento, me dei conta de que principalmente em um momento de retração econômica, os bancos não serão contracíclicos. Eles vão restringir o crédito.
Isso afeta os pequenos [negócios] de forma direta, porque são aqueles que tem menos histórico de crédito e relacionamento com os bancos.
Quando a pandemia começou, essa era uma das frentes que eu tinha certeza que ficaria desguarnecida. Então, juntei um grupo de pessoas com quem eu trabalho, outras que foram empreendedoras em algum momento da vida, e colocamos essa iniciativa de pé.
A definição de que faríamos isso foi exatamente em 27 de março. Trabalhamos na ideia por um mês e, em 1º de maio, lançamos [a iniciativa] oficialmente. Brincamos que montamos um banco em 30 dias.
É interessante pensar nisso porque, diferente dos EUA, não temos os chamados relief funds [fundos de alívio, na tradução livre], que trazem medidas quase instantâneas para apoiar a população e as comunidades afetadas em determinados eventos.
Aqui no Brasil tem muitas daquelas vaquinhas online, por exemplo, mas que não têm envergadura para o problema que estamos passando, principalmente porque não sabemos até quando a pandemia vai durar.
Então me inspirei nos relief fundos americanos para trazer o Estímulo 2020. Também precisei fazer um recorte regional, porque o Brasil é muito grande. Por isso, começamos na Grande São Paulo e depois vamos levar para outras regiões.
Nós já sabíamos que a demanda seria gigantesca. Logo na primeira tranche [abertura para pedidos], a demanda foi de R$ 7 bilhões na Grande São Paulo. Inicialmente, emprestamos para 320 empresas, de 14 setores diferentes. Foram desembolsados cerca de R$ 20 milhões.
Desenhamos uma política de crédito para priorizar os setores mais afetados. Então, se o pedido fosse feito pelo dono de uma farmácia, por exemplo, ou de um e-commerce, ambos que conseguiram continuar trabalhando durante a crise, ele não receberia.
Tentamos separar aqueles segmentos mais afetados pelo Covid-19 e, ao mesmo tempo, selecionar empresas que já vinham com boa performance antes da crise, principalmente porque se ela tinha dificuldades antes, as chances dela sobreviver são menores.
O Brasil já tem um histórico de crédito escasso e caro, até pelo próprio regime de taxas de juros altas que a gente sempre vivenciou.
Nós vínhamos passando por um cenário - talvez pela primeira vez em muitos anos - de queda de taxas de juros e aumento no acesso ao crédito. Mas fomos pegos logo no início desse processo por essa pandemia.
É uma pena porque, no final de tudo isso, necessariamente teremos dado muitos passos para trás.
Além disso, os caminhos brasileiros são muito burocráticos e as respostas não foram tão rápidas quanto precisariam ser.
Os problemas de uma crise como essa, são perecíveis. E não adianta chegar com o crédito de apoio para as empresas em dezembro porque, até lá, elas já morreram.
E como estamos passando por um momento de retração do crédito, é preciso criar novos mecanismos que não vão por meio dos bancos. É preciso que sejamos mais criativos para driblar isso.
A sorte que tivemos foi que eu já tinha um CNPJ registrado para uma organização sem fins lucrativos, minha, que estava dormente, porque se tivéssemos que fazer esse registro para criar o Estímulo 2020, eu estaria até agora sentado nas mãos do cartório.
Inclusive, estamos até em uma discussão com um grupo do governo para criar um marco legal para iniciativas como essa. É um legado que podemos deixar.
Estamos começando a desenhar o projeto de lei junto a senadores e deputados. A ideia é que seja aprovado e já comece a tramitar entre os Poderes nos próximos meses.
O público alvo são empresas que faturam entre R$ 360 mil e R$ 2 milhões antes da pandemia e o valor médio do crédito cedido é o equivalente a um faturamento mensal pré-crise.
Além disso, o empréstimo tem prazo específico de 15 meses para pagar, com três meses de carência. A taxa da primeira tranche em São Paulo foi de 4% ao ano, mas agora, na expansão do programa e como a captação de recursos é diferente em cada região, as taxas podem variar. Em Minas Gerais, por exemplo, as taxas ficaram em 6,5% ao ano.
Também é importante explicar que o Estímulo 2020 não é como um banco, que fica sempre aberto para receber pedidos de créditos. As rodadas abrem e fecham conforme a disponibilidade de recursos.
O crédito é livre, então o tomador não fica amarrado para usar esse dinheiro em apenas uma coisa.
Estamos em negociação com um grande banco privado, que vai apadrinhar essa nova tranche em São Paulo.
Como o crédito tem carência de três meses, ainda é difícil de prever. O que temos visto é que os cursos que disponibilizamos para os empresários têm ajudado bastante.
Mas eu diria uma coisa. Trabalhamos com modelos estatísticos de crédito e, nesse momento, não sei dizer o quanto esses índices são fiéis, porque é tudo muito novo, nunca vivemos nenhuma situação parecida com isso.
É difícil precisar resultado e inadimplência, mas eu espero que ela seja menor do que a gente imagina. Torço para que todos sobrevivam.
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