As estimativas para o dólar ao fim de 2020 seguem em trajetória de alta. Segundo o Boletim Focus do Banco Central, que reúne a mediana das projeções de economistas para o Brasil, a moeda terminará o ano a R$ 5. Na semana anterior, a projeção era de R$ 4,80.
Nesta segunda-feira (4), o dólar fechou a R$ 5,5208, alta de 1,490%. O turismo está a R$ 5,7405. Os fatores que levaram a moeda a subir na sessão são os mesmos que a impulsionam neste ano: impactos negativos da pandemia de coronavírus na economia, cenário externo de aversão a risco, crise política no Brasil e juros mais baixos.
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No começo de março, quando o dólar estava a R$ 4,65, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a cotação poderia ir a R$ 5 caso "muita besteira" fosse feita.
"Pode chegar a R$ 5? Ué, se o presidente pedir para sair, se todo mundo pedir para sair. É um câmbio que flutua, se fizer muita besteira, ele pode ir para esse nível", afirmou Guedes no dia 5 de março.
Uma semana depois, a moeda americana ultrapassou os R$ 5 pela primeira vez durante o pregão e, no dia 16 de março, fechou acima desse patamar, que se mantém desde então.
Quando Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, pediu para sair do governo de Jair Bolsonaro, a moeda foi a máxima recorde de R$ 5,7450 durante o pregão.
O recorde, porém, é nominal, ou seja, não leva a inflação em conta. Em 2002, entre o primeiro e o segundo turno das eleições que levaram Lula à Presidência, a moeda dos EUA foi ao recorde de R$ 4,00 durante o pregão - fechou a R$ 3,99. Hoje, corrigido pela inflação brasileira e americana, esse valor equivale a cerca de R$ 7,86.
Segundo especialistas, o patamar atual de R$ 5 da moeda veio para ficar, pelo menos, a curto prazo.
"Por um tempo, a gente deve ficar nos R$ 5 pela crise política, que piora a imagem do país no exterior. Os estrangeiros continuam saindo do Brasil", afirma Cristiane Quartaroli, economista da Ourinvest.
Enquanto as divisas de outros países latinos se desvalorizam entre 10% a 20% no ano, o real perde 37,6% do seu valor ante o dólar, que ficou R$ 1,51 mais caro desde o fim de 2019. Dentre todos os países do mundo, a moeda brasileira tem a maior queda em 2020.
"Apesar do real ser uma das moedas emergentes mais líquidas, grande parte dessa alta são fatores internos. Não vejo motivos para o câmbio cair, mas, para subir, são todos", diz Cristiane.
Além da saída de Moro, a atual crise entre os Poderes, acentuada pela participação do presidente Bolsonaro de mais uma manifestação com críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao Congresso no último domingo (3), é apontada como uma das condicionantes da depreciação do real.
"O que deixa o mercado com medo é que uma crise política pode ter uma consequência pior que o coronavírus porque, por pior que seja o impacto da pandemia, uma hora ela tem fim, fora que o mundo todo está lançando medidas econômicas para combater o seus efeitos", diz Thiago Salomão, analista da Rico Investimentos.
Salomão aponta que outra causa para o dólar acima de R$ 5 é a deterioração fiscal do Brasil, com o aumento de gastos para combater a pandemia de Covid-19 e seus efeitos econômicos.
"Estávamos com uma série de medidas para que o déficit fiscal do Brasil se reduzisse e, pelo coronavírus, essa economia está indo para o ralo. Essas medidas têm que ser feitas, mas o problema é como são feitas para não abrirmos precedentes e perdermos o controle dos gastos", diz o analista.
A situação se reflete no risco-país brasileiro medido pelo CDS (Credit Default Swap), que funciona como um termômetro informal da confiança dos investidores em relação a economias, especialmente as emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país, se ele cai, o recado é o inverso: sinaliza aumento da confiança em relação à capacidade de o país saldar suas dívidas.
No ano, o CDS brasileiro acumula alta de 221%, a 320 pontos, patamar semelhante a 2016, quando o índice iniciou uma tendência de queda após o impeachment de Dilma Rousseff.
No exterior, a pandemia de coronavírus e a retomada do conflito entre Estados Unidos e China também contribui para o fortalecimento do dólar ante as principais moedas globais, já que o ativo é tido como investimento de segurança.
Na última sexta (1º), o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que o acordo comercial com a China agora é de importância secundária diante da pandemia e ameaçou aplicar novas tarifas de importação sobre Pequim à medida que seu governo elabora medidas de retaliação diante da crise de saúde.
No domingo (3), o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, disse que há "quantidade significativa de evidências" de que o coronavírus surgiu em um laboratório chinês.
"Conforme temos uma perspectiva de fim de lockdown, mais o tema eleições volta ao radar e essas declarações são o início disso", afirma Salomão.
Trump concorre à reeleição presidencial contra o democrata Joe Biden neste ano.
Com o cenário de incertezas, com indícios de uma forte crise global, alguns economistas veem o dólar a R$ 6.
"Podemos contar já com R$ 6 ao fim do ano. No momento, o ambiente doméstico está bem mais agudo que no exterior. Dependendo do que acontecer aqui, pode ir acima de R$ 6", afirma José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator.
Ele aponta que, apesar da piora na projeção do dólar pelo mercado, a expectativa para a inflação segue em queda "o que corresponde à queda na atividade econômica", diz.
Sem efeitos da alta do dólar nos preços, o Banco Central fica mais confortável para cortar a Selic, cuja função principal é controlar a inflação.
A taxa básica de juros está a 3,75% ao ano e o mercado espera que seja reduzida para 3,25% na reunião de política monetária do BC nesta quarta (6). Segundo o Focus, novos cortes devem ser feitos ao longo do ano, levando a Selic para 2,75% ao fim de 2020.
O cenário de juros baixo também contribui para a alta do dólar por meio do carry trade - prática de investimento em que o ganho está na diferença do câmbio e do juros.
Nela, o investidor toma dinheiro a uma taxa de juros menor em um país, para aplicá-lo em outro, com outra moeda, onde o juro é maior. Com a Selic na mínima histórica, investir no Brasil fica menos vantajoso, o que contribui com uma fuga de dólares do país, elevando assim sua cotação.
Também pressionada pela crise política brasileira, a Bolsa de Valores fechou em queda de 2,02% nesta segunda, a 78.879 mil pontos. O Ibovespa não conseguiu acompanhar o desempenho positivo de Wall Street.
Apesar das tensões entre EUA e China, o mercado americano acompanhou a alta do petróleo. Dow Jones fechou em leve alta de 0,11%, S&P 500 subiu 0,43% e Nasdaq, 1,23%.
O preço do barril de petróleo Brent (referência internacional) subiu 12%, a US$ 25,27. O WTI teve alta de 4,3%, a US$ 21,27. A matéria-prima está em trajetória de alta desde a última semana, em recuperação das fortes quedas na semana de 20 de abril devido ao aumento nos estoques dos Estados Unidos.
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