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Não dá para preservar privilégios, diz presidente da Latam

Não dá para preservar privilégios, diz presidente da Latam

Após fracasso nas negociações de um acordo para redução de salário de pilotos e comissários, a Latam deve demitir esta semana 2.700 funcionários

Publicado em 13 de agosto de 2020 às 16:13

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Latam teve que suspender viagens para os Estados Unidos e Europa
Latam teve que suspender viagens para os Estados Unidos e Europa. (Latam/Divulgação)

Após fracasso nas negociações de um acordo para redução de salário de pilotos e comissários, a Latam deve demitir esta semana 2.700 funcionários, quase 40% de seu quadro de tripulantes.

Segundo Jerome Cadier, presidente da companhia, o ajuste é necessário diante da crise do setor aéreo e do fracasso na tentativa de equiparar os salários pagos pela empresa com os da concorrência, em média 30% menores.

O corte não deve ter impacto sobre a operação da empresa, dado que a quantidade de voos caiu de 750 por dia antes da pandemia para 150 atualmente. Com a expectativa de um período prolongado de demanda retraída, o quadro reduzido deve ser suficiente até pelo menos o final do próximo ano, diz Cadier.

A empresa não descarta retomar uma renegociação salarial, dado que a diferença em relação à concorrência persiste. "Acreditamos que em algum momento os nossos colaboradores vão começar a entender que não dá para preservar privilégios", afirma.

Até agora a empresa sobreviveu à pandemia sem nenhum aporte governamental. A expectativa é que um financiamento seja autorizado nos Estados Unidos, onde a empresa decretou recuperação judicial, ainda nesta semana. Com essa previsão, a Latam consegue se financiar sem um aporte do BNDES, diz Cadier, embora as negociações com o banco sigam em curso.

Nesta quarta (12), Latam e Azul iniciaram as vendas para os voos compartilhados em 64 rotas, conforme acordo de codeshare anunciado em junho. Na época, a operação gerou especulações quanto a uma possível fusão das empresas ou compra da Latam pela Azul. Cadier, no entanto, descarta essas hipóteses.

PERGUNTA - Em artigo publicado na Folha em maio, o senhor afirmou esperar uma queda na demanda entre 30% e 40% no pós-pandemia. Desde então, analistas estão menos pessimistas com a retração econômica. Qual é a sua projeção de demanda agora?

JEROME CADIER - É difícil falar quando é o pós-pandemia, mas não mudamos as nossas previsões. Há dois números para ter na cabeça. O primeiro é quando a gente fala do final do ano. A nossa estimativa é que a quantidade de voos esteja aproximadamente na metade do que ela estava no ano passado. Então é uma queda de 50%, talvez 40%. Essa estimativa não mudou desde o começo da pandemia, e ela está se confirmando. O segundo número é o que estamos voando agora, entre 150, 200, talvez chegando a 240 voos até o final de setembro. Isso é mais ou menos o que a gente estimava. O que sim está pior é o internacional. A gente imaginava que ia retomar mais rápido e isso está demorando mais.

PERGUNTA - A queda na demanda decorre da conjuntura de pandemia, mas há também mudanças estruturais, como a previsão de queda nas viagens a negócios. O senhor concorda com essa análise?

JC - Que outras mudanças estruturais antecipa? Você não faz turismo por Zoom, mas reunião de negócios você pode fazer por Zoom. Isso vai fazer com que a demanda corporativa no futuro seja menor. Isso é inegável. A outra coisa que deve acontecer, que está mais ligada ao PIB e à saúde das empresas, é que independente de você ter solução tecnológica ou não, as empresas têm menos dinheiro hoje. Elas utilizaram parte do caixa para sobreviver durante a crise, então muitas terão disposição menor a enviar os seus colaboradores para viagens ou vão condensar em menos viagens durante o ano. Esses são dois fatores de longo prazo. Nosso cenário de recuperação completa da demanda é 2024, quando a receita deve ser parecida com 2019.

PERGUNTA - A empresa pretende redimensionar sua atuação no mercado internacional, priorizando rotas nacionais?

JC - Não necessariamente priorizamos as rotas regionais, mas vamos colocando os aviões e os voos na medida em que a gente sente que existe demanda. Se ela vai crescendo mais nos domésticos, a gente vai começando mais voos no doméstico. O doméstico hoje representa uma parcela maior do que realmente representa nos voos da Latam. Mas no longo prazo a Latam continua acreditando que o modelo é de uma companhia que voa internacional, doméstico, conecta os principais hubs do país. Esse modelo a gente não reviu e não pretende rever. Mas crescimento está realmente desigual nos dois.

PERGUNTA - A empresa anunciou um corte de ao menos 2.700 tripulantes. Como essa redução de quadro afeta a operação?

JC - A companhia deve operar menos voos daqui em diante? Em relação ao número de voos atuais, não. Na medida em que a gente fala dos cenários de recuperação da quantidade de voos, provavelmente esses 2.700 não iriam ser necessários até o final do ano que vem. Se no final do ano que vem a gente perceber que o mercado está retomando mais rápido do que a gente imaginava, talvez a companhia volte a contratar. Mas não valia a pena a gente manter o quadro sendo que voamos hoje 150, 200, talvez no final do ano 400 voos, quando esse mesmo quadro operava 750 voos diários.

PERGUNTA - Além dos custos com a rescisão, a empresa não fechou um acordo de redução de jornada e salário com o sindicato, como fizeram as concorrentes. Um acordo do tipo ainda está nos planos da empresa?

JC - É fácil comparar com Gol e Azul sem entender que são companhias totalmente diferentes. Essas duas companhias remuneram os tripulantes na mesma rota, no mesmo voo, no mesmo equipamento, 20% a 30% menos do que a Latam. No mercado que estamos imaginando, com uma demanda muito menor de passageiros, com uma tarifa mais baixa, vai ser primordial você ter um custo competitivo. A gente tentou explicar isso durante todo esse tempo. Eu acho que o grupo de voo e o sindicato se prenderam numa figura de nenhuma mudança permanente, acreditando que a companhia podia continuar sendo ineficiente e pagar a eles mais do que paga os seus concorrentes. Por isso que a nossa proposta era de um ajuste de forma permanente. Estamos revendo todos os nossos custos, fizemos reduções de pessoas, de estrutura, a gente se adequou à situação atual. Infelizmente até agora não conseguimos encontrar um caminho junto aos tripulantes, e por isso precisou reduzir. A gente continua acreditando que em algum momento o grupo de voo, os nossos colaboradores, vão começar a entender que não dá para preservar privilégios.

PERGUNTA - Um acordo de redução de jornada e salário ou para redução permanente do salário ainda está nos planos para esse ano ou no próximo?

JC - A gente espera em algum momento eventualmente voltar a conversar, porque a situação não melhorou -o nosso custo continua 30% mais alto do que o da concorrência. Eu acho que isso é pouco sustentável. Não sei como a gente vai, sinceramente, voltar depois das demissões. Hoje estamos concentrados em fazer as demissões durante essa semana e eventualmente voltar a dialogar depois.

PERGUNTA - Com a recuperação judicial nos EUA e os aportes anunciados desde então, a empresa ainda negocia um acordo com o BNDES?

JC - A companhia ainda não teve nenhum aporte, ou seja, não existiu nenhum dinheiro que entrou depois da decretação do Chapter 11 [recuperação judicial nos EUA]. As negociações estão avançadas. A gente espera nesta semana a decisão do juiz da corte americana quanto a qual opção de financiamento será adotada pela Latam. As opções estão firmes, compromissadas, o dinheiro deve entrar durante o mês de agosto, começo de setembro. A companhia consegue se financiar sem esse apoio [do BNDES] com o que a gente sabe hoje. Se a retomada for mais lenta, é óbvio que sempre é bom você ter uma capacidade de se financiar maior, por isso que eu não quero simplesmente falar que não tem necessidade do dinheiro do BNDES. Acho que tem, pode vir a ter a necessidade. Hoje a gente conseguiu se financiar sem o apoio do BNDES, mas se eventualmente a crise se aprofundar, pode ser necessário um aporte. A companhia segue negociando.

PERGUNTA - O acordo de codeshare com a Azul gerou especulações sobre uma possível fusão ou venda da Latam Brasil. Uma operação do tipo é uma possibilidade?

JC - Uma potencial venda da Latam para a Azul é ficção. Na semana passada, a Azul anunciou que estava negociando com seus credores. Se você não tem dinheiro para pagar o dia a dia, você vai precisar de dinheiro para se financiar no longo prazo, o que eu acho que a Azul está buscando. Além disso, ela precisaria de mais bilhões de dólares para comprar uma companhia maior que ela no Brasil. Tem zero possibilidade de isso acontecer. O codeshare já é um grande movimento, um grande avanço. Já está à venda parte dos voos hoje. Esperamos que esse codeshare seja para mais rotas, o foco da companhia hoje é implementar isso. Se isso pode se transformar em outra coisa, eu duvido.

RAIO-X

Jerome Cadier, 50, é presidente da Latam desde 2017. Antes, foi vice-presidente da marketing na Latam (2013-2017) e na Whirpool (2003-2013). É formado em engenharia industrial pela Escola Politécnica da USP e possui MBA pela Northwestern University.

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