Adriana Barbosa fala sobre os desafios que enfrentou ao empreender, sendo bisneta de escravizada, e critica a falta de recursos para projetos liderados por mulheres
"Tem dias em que sou 100% empreendedora, tem dias que preciso estar inteira para minha filha e tem dias que só quero sumir e desligar tudo." É nessa montanha-russa de emoções, como ela mesmo define, que a "mãe, filha, amiga, namorada, neta, conselheira e malabarista" Adriana Barbosa, 47, avança com a Feira Preta, que se consolidou como maior evento de cultura e economia criativa negra da América Latina.
Barbosa fez a primeira edição da feira em 2002, na praça Benedito Calixto, em São Paulo, onde reuniu produtos de empreendedores negros. Tornou-se, ao longo dos anos, espaço de fortalecimento da cultura negra e, neste ano, chega ao Parque Ibirapuera, em maio. Em entrevista à reportagem, Adriana Barbosa fala sobre os desafios que enfrentou ao empreender, sendo bisneta de escravizada, e critica a falta de recursos para projetos liderados por mulheres. "Sem acesso a crédito, investimento ou políticas públicas que fortaleçam nosso lugar no mercado, as mulheres, principalmente as negras, vão continuar sendo maioria nos negócios de sobrevivência", diz ela.
Adriana Barbosa, fundadora da Feira Preta. (Keiny Andrade | Folhapress)
O que ninguém conta sobre ser mulher e liderar uma iniciativa de relevância e impacto?
Que é uma montanha-russa emocional. Todo mundo fala sobre propósito e transformar vidas, mas ninguém te prepara para a solidão da liderança. Para os "nãos" que parecem infinitos e para o peso de atuar com impacto social quando faltam recursos. Ser uma mulher negra à frente de um negócio de impacto significa estar sempre desafiando o sistema, possibilitando a construção de oportunidades que não foram feitas para a gente. Mas também significa construir algo que vai muito além de você. E isso é poderoso.
Que degraus você precisou subir para ascender na carreira? A que custo enfrentou esses desafios?
Foram muitos degraus e, muitas vezes, sem corrimão para segurar. O maior desafio sempre foi o acesso a recursos -seja financeiro, de rede ou capital social, que construí "na unha". Vim de um lugar onde empreendedorismo é sobrevivência, não glamour. Construí a Feira Preta na raça, enfrentando um mercado que não nos enxergava, sem investidores, sem apoio inicial. O custo? Anos de desgaste, de abrir mão da Adriana Barbosa para Adriana da Feira Preta, como se Feira fosse meu sobrenome. O custo de se especializar em equilibrista de pratinhos, ou seja, de segurar as pontas mesmo quando parecia impossível. Essa resiliência traz cansaço e frustrações. Mas hoje avalio que cada obstáculo virou aprendizado e fez com que eu tivesse ainda mais certeza de que esse caminho era necessário.
O papel de liderança é confortável para você? Cite uma característica pessoal que imprimiu na sua iniciativa, ou seja, um valor seu que se tornou parte da cultura organizacional.
Confortável? Nunca! Mas necessário, sim. Nunca me vi como aquela líder salvadora, que se perde no ego. Sempre acreditei em uma liderança coletiva. Gosto de dividir, sou do senso de comunidade, minha ancestralidade é tribal, do conceito Ubuntu. Ou seja, 'eu sou, porque nós somos'. E acho que isso reflete na cultura da Feira Preta. Se tem um valor que sempre esteve presente é ancestralidade como inovação. A gente não precisa inventar do zero, rodas já foram inventadas.
Que outros papéis você desempenha na sua vida, para além do profissional? E como equilibra todos esses "pratos"?
Sou mãe, filha, amiga, namorada, neta, conselheira e malabarista (risos). Não existe equilíbrio perfeito, existem escolhas diárias. Tem dias em que sou 100% empreendedora, tem dias que preciso estar inteira para minha filha e tem dias que só quero sumir e desligar tudo. O que faz a diferença é ter uma rede de apoio forte e saber que não dá para carregar tudo sozinha. Aprendi a delegar, a priorizar e, principalmente, a me respeitar nesse processo. Está tranquilo, está favorável? Ainda não, mas estou presente e consciente no processo.
Como o país pode incentivar que mais mulheres estejam à frente de iniciativas de impacto? E o que falta para garantir equidade?
Primeiro, pensamento sistêmico para olhar o problema sob diferentes perspectivas e identificar uma solução sistêmica. Depois, a escassez do dinheiro. Sem acesso a crédito, investimento ou políticas públicas que fortaleçam nosso lugar no mercado, as mulheres - e principalmente as negras - vão continuar sendo maioria nos negócios de sobrevivência, sem conseguir crescer de verdade. Falta rede, falta reconhecimento e falta parar de romantizar nossa resiliência, que demanda musculatura emocional. Não queremos só "dar conta de tudo", queremos prosperar de maneira estruturante e longínqua.
Que dica você daria para mulheres que estão começando ou sonham em ingressar no empreendedorismo socioambiental?
Se joga, mas não sozinha. Encontre quem caminha junto com você, entenda que empreender por impacto não é só sobre ter um bom projeto, mas sobre estratégia, sustentabilidade, inovação e capital social. E, principalmente, não espere validação do mercado tradicional. A gente já provou que sabe fazer diferente, então 'bora' ocupar esses espaços do nosso jeito. Tá com medo? Vai com medo mesmo.