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'Nós nos preparamos para o pior no caso da Argentina' diz Bolsonaro

'Nós nos preparamos para o pior no caso da Argentina' diz Bolsonaro

Em entrevista, o presidente disse não pretender romper relações com a Argentina após a vitória de Alberto Fernandez

Publicado em 30 de outubro de 2019 às 10:11

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(Pequim - China, 24/10/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro. (Isac Nóbrega/PR)

O presidente Jair Bolsonaro disse não pretender romper relações com a Argentina após a vitória de Alberto Fernandez, representante da esquerda, nas eleições de domingo, mas espera que "o lado de lá" continue com as mesmas práticas de Mauricio Macri - abertura, liberdade econômica e respeito às cláusulas democráticas do Mercosul.

"Nós nos preparamos para o pior. Já sabemos a receita do que foi anunciado até o momento no pacote econômico do presidente eleito. Como em parte já foi adotada no Brasil no passado, não tem como dar certo", afirmou em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast em Riad, onde cumpre a última etapa da viagem a países asiáticos e do Oriente Médio.

Um dos planos de Fernández para estancar a crise argentina prevê congelamento de preços por 180 dias e garantia de aumento salarial de emergência - a inflação acumulada no último ano está perto de 60%. Bolsonaro também rebateu acusações de que comprou votos para tornar seu filho Eduardo líder do PSL na Câmara. "Temos ministérios, estatais, diretorias de banco. Se eu quisesse, poderia usar isso aí para comprar alguns apoios. Mas não pretendemos fazer isso. Não estamos fazendo", afirmou. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O sr. pediu ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para não haver mal entendido com a reforma administrativista. O sr. tem preocupação que a falta de discussão provoque protestos como os do Chile?

  • Nós não queremos causar nenhum abalo junto aos trabalhadores do Brasil, com propostas que na prática não queremos implementar. Quando se fala em quebra de estabilidade (do servidor público), isso está sendo discutido para os futuros servidores. Para os atuais, todos os direitos estão sendo preservados. Mesmo assim, tenho dito que essa reforma administrativa tem de ser discutida comigo e também com o Parlamento antes de ser enviada para lá, porque não queremos ter reação por parte dos parlamentares. Ele (Guedes) tem um bom trânsito com o Davi Alcolumbre (presidente do Senado), com o Rodrigo Maia (presidente da Câmara). O empresário tem uma visão muito econômica dos seus negócios. No governo, a economia tem de ter essa visão, mas não pode esquecer da política.

A ideia com o Guedes é afinar esse discurso?

  • Sim. É igual à questão da CPMF. Foi discutido no passado que a CPMF era um nome que estava contaminado no Brasil. De modo que devemos abandonar a CPMF, apesar de suas vantagens.

O sr. acha que a economia brasileira vai reagir para evitar convulsões sociais como a que ocorre agora no Chile? Tem essa preocupação em vista?

  • Brasil estará melhor se os nossos vizinhos também estiverem bem. Na minha última viagem ao Chile estava tudo em paz. No encontro com empresários (chilenos), eles falaram que o Brasil é muito importante, porque eles têm investido em torno de US$ 35 bilhões no País. O Brasil está firme. Agora, o Chile está em um momento de incerteza. Esperamos que volte à normalidade, não apenas pelo investimento que eles têm aqui, até porque, com estabilidade, eles não mexeriam no que têm aplicado no Brasil, muito pelo contrário. No caso da Argentina, quem está voltando é a senhora Cristina Kirchner, muito ligada com Dilma, com Lula, com Morales, com o Lugo, com o falecido Fidel Castro e Maduro. Essa é a nossa preocupação. Sabemos que a sua receita econômica não deu certo em lugar nenhum do mundo. Algumas foram tentadas aqui no passado e não deram certo, como a Argentina, que ouvimos que poderia ser um plano de Fernández o congelamento dos preços e aumento de salário na base do 'canetaço'. Isso não vai dar certo.

Dificulta a agenda liberal no Brasil?

  • Não pensamos em romper nada com a Argentina, mas esperamos que o lado de lá continue com as mesmas práticas do Macri, abertura, liberdade econômica, respeito às cláusulas democráticas do Mercosul. Nós nos preparamos para o pior. Já sabemos essa receita do que foi anunciado até o momento no pacote econômico do presidente eleito. Como em parte já foi adotada no Brasil no passado, não tem como dar certo.

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E o Brasil pode ficar isolado, dependendo do resultado de outras eleições, como no Uruguai?

  • Isso é estudado. O Paulo Guedes despacha todo dia comigo, é um ministro que faço questão de despachar quatro vezes por semana no mínimo. É a gente casar economia com política. O Uruguai foi para o segundo turno, tem a situação, que vem da política do Pepe Mujica, e uma oposição que é mais alinhada com nossos pensamentos liberais e econômicos. Esperamos, torcemos que aconteça a eleição de alguém mais ligado ao nosso time, aí teríamos o Uruguai afinado conosco. Não tivemos problema com o Uruguai no tocante à economia com o atual presidente, mas temos de nos preparar sempre para o pior, porque você não pode dizer que foi surpreendido com os fatos. A política não acontece de uma hora para outra. Na Argentina, não foi de uma hora para outra. Sabemos aqui onde achamos que o Macri errou.

E o que seria?

  • Ele não fez as reformas que tinha de fazer no passado, ele fez uma meia reforma que tinha de ser feita e se aproximou muito das bandeiras da esquerda contra o conservadorismo. E o Chile meio parecido, até na mesma linha. Costumo dizer que quem fica no meio do caminho, mais cedo ou mais tarde, não tem como ir para frente nem vir para trás, e vem a derrota.

Essa poderia ser a diferença do sr.?

  • A grande diferença minha é confiar. É igual a um casamento. Você não pode casar e pensar que o outro lado vai fazer algo errado. É o que fiz com todos os ministros, confiando 100% na linha deles. Agora, tenho poder de veto em algumas ações de ministros e sempre exigi que, no caso de qualquer nova medida, entrar em contato comigo. O fato de eu poder confiar nos ministros é que tem feito a diferença do meu governo para governos anteriores e alguns governos de outros países.

Além dos acordos bilaterais, qual é o saldo da viagem à Ásia?

  • No Japão, foi mais um evento de cortesia, mas tratamos de assuntos importantes. Na China, tivemos encontro reservado com o primeiro-ministro. Foi excepcional estarmos ao lado do nosso maior parceiro comercial. Lá vamos ampliar e diversificar nosso comércio. Depois fomos para os Emirados Árabes, Catar e Arábia Saudita. Nesta terça-feira, 29, começamos uma maratona na Arábia Saudita. Esses países, em especial os três últimos, têm um capital enorme e querem investir no Brasil.

O sr. está agora na Arábia Saudita. Aqui é um país que possui um regime opressivo. Causa algum incômodo buscar negócios com um país com esse perfil?

  • Nenhum. Estou em viagem, representando meu país, buscando ampliar nossos horizontes comerciais. Respeitamos as políticas dos países e não pretendemos entrar numa linha de discutir ou opinar o que acontece lá dentro, até porque acabamos de ter uma experiência bastante preocupante no Brasil, quando de forma não republicana ou não objetiva o presidente da França atacou o Brasil e colocou em xeque a nossa soberania. Tivemos apoio de vários países, mas o mais importante foram dois, Estados Unidos, que o Trump operou diretamente em impedir sanções econômicas, e também o embaixador da China, que foi bastante claro na questão da soberania.

O sr. disse que pode criar um novo partido. O sr. continua aberto a tudo em relação ao PSL?

  • Sou paraquedista e quando (a gente) sai do avião tem de ter um paraquedas reserva se algo der errado. Quero ter um partido onde eu tenha as ações, não é para mexer com Fundo Partidário. Eu tenho a (caneta) Bic que tem um poder enorme. Temos ministérios, estatais, diretorias de banco. Se eu quisesse, poderia usar isso aí para comprar alguns apoios. Mas não pretendemos fazer isso. Não estamos fazendo. A briga (com o PSL), da minha parte, não é por dinheiro do fundo, minha caneta é poderosíssima. Eu quero é transparência.

Além das questões internas do PSL, o sr. acha que falta um partido de direita forte no Brasil?

  • Nunca teve partido de direita no Brasil. O único de direita que tinha dentro da Câmara e se expressava abertamente desde 1991 era eu. Não tinha mais ninguém. Com a minha onda apareceu mais um monte de gente se dizendo de direita. Eles não sabem o que é ser de direita. Precisam ter humildade para entender e ouvir pessoas mais velhas, que há mais tempo labutam nessa área. Já a esquerda está muito bem estruturada, a gente não vê a esquerda brigando entre si. A esquerda está até preocupada porque não está trabalhando, eles não têm de fazer oposição. A oposição é feita do lado de cá. Isso tem de acabar.

E como está a situação no PSL?

  • Como as coisas estão indo, eu estou tentando serenar os ânimos, se eu sair do partido ele se acaba, não vai mais ter sucesso. O PSL vai se pulverizar. E numa futura janela muita gente vai sair se o partido continuar dessa maneira. Alguns são ávidos por cargos, eu passei 20 anos no Congresso e não tive cargo.

A possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sair da prisão pode fortalecer a esquerda?

  • Não. A esquerda no Brasil está perante a opinião pública bastante desgastada. Afinal, a corrupção foi praticada de forma ampla, geral e irrestrita. A esquerda, no meu entendimento, não tem futuro no Brasil num curto espaço de tempo.

E o sr. será candidato?

  • Talvez. Depende. A vida é sacrificante, não vai pensar que eu estou felicíssimo. Nada sobe à minha cabeça, não tenho orgulho. De vez em quando a Presidência parece um sonho, em outras horas um pesadelo.

Além da economia, a pauta do conservadorismo também ajuda a garantir sustentação ao governo?

  • Isso não há dúvida que nos dá sustentação. Por outro lado, através do conservadorismo você consegue ordem e progresso, por meio da disciplina. Nenhum pai quer que o seu filho se desvirtue. E, por muitas vezes, a gente não vê isso no Brasil, até por conta de algumas poucas universidades onde a formação que existe não é de bons profissionais, mas apenas de militantes. É isso que também estamos tentando mudar, mas não é fácil.

Mudar como?

  • É uma coisa que vem errada desde muito tempo, até durante o período militar, onde o regime não ficou muito preocupado nessa questão da educação. Deixou a faculdade com a sua total autonomia. E você sabe, quando se tem total autonomia em algum lugar, acontecem exageros e grupos políticos se aproveitaram para fazer de algumas universidades seu laboratório para formar militantes. Erramos aí.

O MEC quer mudar a forma de contratação nas universidades...

  • Uma minoria dos professores trabalha oito horas por semana e tem o salário do teto. Isso não é justo com a maior parte que trabalha no mínimo 40 horas por semana e tem salário bem menor. Esses privilégios que a gente tem de atacar.

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