SÃO PAULO - As novas regras de tributação para compras internacionais acenderam um alerta em consumidores e no setor varejista brasileiro, mas por motivos diferentes.
Para o público que consome produtos com frequência em plataformas como Shein e Shopee, o temor é pelo aumento dos preços. É que além do imposto de importação federal de 60% — como já ocorre hoje em dia —, representantes dos Estados anunciaram que compras internacionais acima de US$ 50 terão a cobrança de uma alíquota fixa de ICMS.
Segundo anúncio feito pelo Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda) no dia 2 de junho, a alíquota será estabelecida em 17%. Antes, o percentual variava em cada unidade federativa.
Outra preocupação está em uma possível tributação em cascata, ou seja, a cobrança de imposto sobre imposto. Produtos poderiam sofrer aplicação do ICMS estadual sobre o preço já tributado pela União, pesando ainda mais no bolso dos consumidores.
Do outro lado dessa disputa está o varejo brasileiro. Representantes das empresas nacionais reclamam da isenção fiscal concedida pelo Ministério da Fazenda às estrangeiras nos casos de compras abaixo de US$ 50. As companhias temem que a medida possa afetar a competitividade do mercado interno.
A alíquota zerada no Imposto de Importação nesses casos foi anunciada após a publicação da Portaria 612/2023, assinada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). Isso vale para envios feitos tanto por empresas, quanto por pessoas físicas.
A isenção do imposto federal nas remessas de baixo valor é o grande trunfo do governo para conseguir a adesão das empresas estrangeiras ao programa Remessa Conforme. O programa incentivará as plataformas a declarar a importação e pagamento dos tributos federal e estadual antes do envio das mercadorias.
A ideia é que os produtos com documentação correta entrem no Brasil sem a necessidade da tributação ser feita no controle aduaneiro. Nesses casos, o consumidor é notificado do bloqueio da remessa e apenas após pagar o imposto, a correspondência é liberada.
A pasta também busca garantir o recolhimento dos impostos e mapear todas as transações internacionais realizadas. As regras começam a valer em 1º de agosto.
No centro desse cabo de guerra estão Ministério da Fazenda e secretários dos estados. Entenda a seguir como funcionará a cobrança do ICMS e os argumentos das companhias brasileiras que pedem por mais impostos.
Procurado pela reportagem, o Comsefaz disse que a alíquota de 17% do ICMS incidirá apenas sobre as remessas expressas importadas acima de US$ 50, já incluindo o preço de produto, frete, seguro e eventuais encargos adicionais. Produtos com preço abaixo de US$ 50 seguem sem a cobrança do ICMS.
O comitê afirmou que a padronização da alíquota do ICMS em 17% visa garantir a eficiência do programa de conformidade do Ministério da Fazenda, além de dar celeridade às importações. "A modernização das operações e a integração dos Fiscos estaduais e federal permitirá que as mercadorias adentrem o território nacional com o devido tratamento, sem necessidade de retenção da mercadoria", disse o Comsefaz.
O comitê negou a possibilidade de tributação em cascata. Segundo o órgão, embora o ICMS incida após a aplicação do imposto federal, o ICMS incidirá "por dentro", ou seja, sobre a base de cálculo do próprio imposto.
Dessa forma, considerando o exemplo de um produto que custe R$ 500, o imposto federal de 60% irá aumentar o preço em R$ 300. Com a aplicação de 17% de ICMS por dentro sobre o valor de R$ 800, serão destinados R$ 163,85 aos cofres estaduais. Na prática, nesse exemplo, a alíquota que incide para o ICMS é de 20,48% — a chamada taxa efetiva, maior que a alíquota de 17% prevista inicialmente.
Em nota divulgada nesta terça (11), o IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) demonstrou preocupação com uma possível "onda de demissões e fechamento de lojas", após a portaria publicada pela Fazenda.
Segundo o instituto, a isenção fiscal de compras abaixo de US$ 50 provoca uma desigualdade. "Enquanto uma compra feita por meio de plataforma digital de venda cross-border [via importação] será tributada em 17%, a indústria e o comércio brasileiros continuarão sujeitos a uma carga fiscal que varia de 80% a 130% em toda a sua cadeia produtiva e de distribuição", afirma no comunicado.
"Isso acaba incentivando o fechamento de empresas e a criação de empregos em outros países", diz a nota. Entre alguns dos varejistas representados pelo IDV estão Renner, C&A, Via (Casas Bahia e Ponto), Magazine Luiza, Grupo Pão de Açúcar e Livraria Cultura. Ao todo, são 71 associados.
No comunicado, o instituto afirma que acionou os Correios e a Senacon. A entidade cobra a estatal por mais fiscalização das remessas ilícitas ou fraudadas. Quanto à secretaria, o IDV pede por maior proteção aos consumidores que podem ser lesados na compra de produtos falsificados.
Segundo o instituto, estimativas apontam que R$ 137,7 bilhões deixaram de ser recolhidos em impostos nos últimos cinco anos.
A Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) também se posicionou contrária à adoção da portaria 612/2023.
O presidente da federação, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, entregou uma carta na última sexta (7) ao vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, em que pede a revogação da portaria. O texto é assinado por entidades como o IDV, além de outras associações de indústrias.
Ione Amorim, 61, coordenadora do Programa de Finanças do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), enxerga que o debate está sendo conduzido de forma precipitada. "O imposto não é uma novidade, o novo é ele ser cobrado de fato", afirmou em entrevista à reportagem.
"Penso que poderia ser um processo gradual. Não precisaria entrar com a tributação de 60% [do imposto federal] de vez. Até mesmo o ICMS. Poderiam ser alíquotas progressivas. O debate deveria ser melhor discutido para equacionar. Esse problema não é imediato, e há muito a amadurecer pelos mercados."
Sobre a aplicação da alíquota de 17% do ICMS, Amorim enxerga que, mesmo com o tributo incidindo por dentro, a mudança na prática será pequena e poderá confundir o consumidor. "O ICMS terá um impacto para o consumidor e é muita informação para ele assimilar de uma vez só. Esse modelo é prejudicial porque você não uniformiza o entendimento. Quando falamos de tributação, precisa ter objetividade."
O Idec também entende ser natural o posicionamento das companhias brasileiras. "Não é saudável termos menos concorrência, você tira do comprador uma opção. [Porém,] não é solução as empresas pedirem proteção. O ideal é buscar equilíbrio", disse a especialista.
Por fim, o instituto vê de forma positiva o movimento de tributação de mercadorias na origem proposto pelo Remessa Conforme. "O produto já vindo com o encargo discriminado, tende a facilitar a redução do prazo de entrega. Permite controlar melhor o valor dos produtos e do recolhimento", analisou a coordenadora do Idec.
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