A chegada do Pix, o sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, deve colocar fintechs, grandes varejistas e bancos pela primeira vez em pé de igualdade para competir por clientes.
E vai transformar toda conta - seja ela corrente, poupança, de pagamento ou uma carteira digital - em um grande sistema de pagamentos que concorrerá com cartões e maquininhas.
O modelo atual não vai morrer, dizem analistas do mercado. Mas pode ter o uso menos frequente - em viagens internacionais, quando elas voltarem, por exemplo -, o que vai alterar a forma como o sistema financeiro ganha dinheiro.
O lançamento do serviço está previsto para novembro, e o dado mais emblemático até aqui é o número de inscritos. O Banco Central recebeu 980 pedidos de adesão de empresas interessadas em participar do Pix. Dessas, apenas 34 eram instituições financeiras obrigadas a entrar no serviço.
De forma simples: com o aplicativo financeiro que o usuário já tem, será possível mandar dinheiro para outra pessoa independentemente de qual seja a instituição em que ela tem conta - pode até ser uma loja. E as transações podem ser feitas 24 horas, sete dias por semana, com envio e compensação instantâneos do dinheiro - em TEDs e em DOCs, por exemplo, há restrição de horários.
A transação será gratuita para quem manda dinheiro e ocorrerá em segundos. Uma TED custa a partir de R$ 10 nas grandes instituições financeiras para clientes que não têm transferências no pacote. Além disso, o dinheiro pode ser enviado apenas em dias úteis, no horário bancário.
A indústria de cartões é mais complexa e deve sofrer danos ainda maiores. Hoje, é preciso envolver bandeiras (Visa, Mastercard, por exemplo), maquininhas e emissores dos cartões (bancos) para realizar uma transação. Todos ganham dinheiro, o que embute um custo para o lojista aceitar vender no cartão.
Essa taxa média cobrada do lojista era, ao fim de 2019, de 1,62% (débito) e 2,62% (crédito), de acordo com a consultoria alemã Roland Berger.
Com o Pix, o pagamento ocorrerá com a leitura de um QR Code e a custo de centavos.
Essa concorrência adicional pode gerar perda estimada pela Roland Berger de 18% a 63% das receitas das maquininhas, a depender da velocidade de adesão ao Pix. No pior cenário, perdem-se R$ 13 bilhões.
A medida é feita com o mercado de maquininhas porque ele é mais fácil de isolar (bandeiras têm atuação internacional, bancos vendem um conjunto maior de serviços). Mas João Bragança, especialista em meios de pagamento da consultoria, diz que as perdas podem ser também expressivas nesses segmentos.
O Pix concorre ainda com boletos para compras online e com os caixas eletrônicos, já que será possível sacar dinheiro no comércio.
Toda essa mudança deve pressionar as receitas do setor, dizem os especialistas e as próprias empresas.
"Um grande indutor do Pix vai ser o lojista", afirma Boanerges Ramos Freire, presidente da consultoria Boanerges&Cia.
Do lado do setor de bares e restaurantes, há um incentivo para a adoção.
Paulo Solmucci, presidente da Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel), afirma que a entidade incentivou que empresas que vendem software dos caixas já participassem da fase preparatória do Pix. Assim no lançamento o varejo já terá a tecnologia.
Esse cenário é o dos estabelecimentos mais estruturados, que faturam acima de R$ 20 mil. Os menores, com receita de R$ 5.000, recebem mais da metade dos pagamentos ainda em dinheiro e devem se beneficiar do Pix também, recebendo como pessoa física.
Na prática, Solmucci vê uma pressão para redução das taxas das maquininhas --essa taxa é dividida entre os demais atores do mercado.
E quem perder receita terá dificuldade de recompô-la. Até aqui, quando um grande banco precisava abrir mão de receita em um produto, por causa do aumento da competição, ele compensava cobrando mais por outro serviço.
"Não vai ter mais o modelo 'eu vou perder receita aqui e buscar ali'", afirma Bragança.
A avaliação dele é que o Pix acaba com a possibilidade de lucrar com o mercado de pagamentos. O segredo para qualquer um dos negócios vai ser fidelizar o cliente na instituição, para que ele use produtos que rendem algum dinheiro - como crédito, investimentos ou qualquer outro produto (no caso do varejo).
"Será indiferente ter uma conta em uma carteira digital ou num grande banco."
Itaú e Banco do Brasil conversaram com a reportagem para esta reportagem. Os discursos dos executivos são bastante parecidos. Mostrar que o Pix é um substituto para as transferências DOC e TED e que será preciso buscar diferenciais para manter o uso do cartão.
O diferencial mais evidente até o momento é o do pagamento pelo WhatsApp, anunciado pelo Facebook em junho e suspenso pelo Banco Central até a obtenção de uma licença formal de operação.
Ele funcionará pela rede da Cielo e poderá ter transferência de recursos, inicialmente, entre Banco do Brasil, Nubank e Sicredi. Esse modelo mantém a estrutura de cartões tal como funciona atualmente.
Ainda assim, Edson Costa, diretor de meios de pagamento do Banco do Brasil, vê transformação no setor.
"O mercado de meio de pagamento vai mudar muito, não tem como segurar isso. E vem para baratear custo."
Carlos Eduardo Peyser, responsável do Itaú por open banking e Pix, afirma que o banco terá estratégias de ataque e de defesa de mercado.
"Como incumbente, o banco sempre vai ter tendência a defender. O que a gente quer do cliente? Concentrar a maior parte dos negócios dele no banco", diz Peyser.
Uma das maneiras de atacar será tentar trazer mais clientes para dentro do banco, em busca de desbancarizados.
Até aqui, um dos motivos para a exclusão dos mais pobres do sistema financeiro é que os bancos não consideravam rentável abrir uma conta e emitir um cartão para quem tinha tão pouco dinheiro.
Agora, além de reduzir o que se chama custo de servir (já que não é preciso ir a uma agência e nem mesmo emitir um cartão), mais gente vai disputar esse cliente antes abandonado.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta