Cargas paradas nos portos há quase três meses. Navios sem espaço para desembarcar mercadorias. A operação-padrão dos auditores da Receita Federal tem travado a importação de insumos e prejudicado a produção de produtos que vão desde o pãozinho ao sabão em pó.
Levantamento do Instituto Brasileiro de Comércio Internacional e Investimento (IBCI) mostra que o movimento dos servidores elevou de cinco para 20 dias o prazo médio para desembaraço de cargas importadas via portos e aeroportos do Brasil. Os dados constam em carta que será encaminhada nesta quarta-feira, 13, para o ministro da Economia, Paulo Guedes, obtida pelo Estadão/Broadcast.
Apoiado por empresas multinacionais como Nestlé (alimentos e bebidas) e Unilever (alimentos e produtos de higiene), o documento faz um apelo ao governo para que a situação seja tratada “com a devida seriedade” e resolvida para evitar um “efeito dominó” na economia brasileira. “Esses atrasos afetam não somente os operadores que tratam diretamente com exportações e importações, mas também pequenas empresas que possuem operação exclusiva no Brasil, que dependem de componentes importados”, afirma o texto.
Também assinam a carta que será entregue a Guedes empresas como General Mills (alimentos), Dow (químicos) e Sylvamo (papel) e entidades de setores que incluem higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (Abihpec), café solúvel (Abics) e limpeza (Abipla). “Todo o setor de comércio internacional está de mãos atadas. Nossa intenção com a carta é trazer para o ministro uma situação que afeta todos os setores, fábricas e plantas e que pedimos que seja resolvida da forma mais breve possível”, disse o coordenador do instituto, Leandro Barcellos.
Desde o fim do ano, servidores do fisco fazem paralisações e seguram cargas como forma de pressionar o governo federal para recompor o orçamento do órgão e regulamentar um bônus de eficiência pago aos auditores. O movimento teve início depois de o presidente Jair Bolsonaro prometer reajustar o salário de policiais federais, o que desencadeou greves também entre servidores do Banco Central, Tesouro Nacional, INSS e analistas de comércio exterior.
Atrasos elevam os custos das empresas
A demora da Receita Federal em liberar cargas importadas pode levar a um aumento do preço do pão francês e fazer faltar nas prateleiras sabão em pó e amaciante. Diversos setores da economia dizem estar sendo prejudicados pelo movimento dos auditores fiscais, entre eles alimentos, higiene e limpeza, bens de consumo, automóveis e varejo.
De acordo com o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes (Abipla), Paulo Engler, há relatos de empresas associadas que aguardam a liberação pelo Fisco de insumos que chegaram ao Brasil há meses. Um grande fabricante de produtos de limpeza que pediu anonimato aguarda a liberação de matéria-prima há 83 dias. “Já há partes da produção paradas, parte dos reagentes, parte dos laboratórios. Estamos com receio de que podemos ter problemas em toda linha de produção. O atraso está grande demais e acendeu uma luz no setor, que pode sofrer interrupção se não houver liberação rápida”, afirmou.
No caso do trigo, o vice-presidente do Sindicato da Indústria do Trigo do Estado de São Paulo (Sindustrigo), Christian Saigh, conta que há 38 mil toneladas estocadas em Santos (SP), o correspondente a 27% da quantidade moída em um mês no Estado de São Paulo.
Insumo para farinha de trigo, pães e massas, há cargas do grão paradas há 14 dias, segundo ele, enquanto a liberação ocorria em até 48 horas antes da operação-padrão. “Isso começa a comprometer o estoque dos moinhos. Neste momento, ainda não tem desabastecimento, mas não posso afirmar que não vai ter porque não tenho nenhuma previsão da Receita de quando a carga será liberada”, afirmou.
Saigh alerta que a capacidade de armazenamento nos silos está no limite e há cinco navios chegando nos próximos dias. Sem conseguir descarregar, as embarcações ficam paradas em Santos, o que causa um prejuízo de R$ 210 mil por dia aos importadores. “Não tem como não repassar isso para os preços. Nós já vínhamos defasados, o preço do trigo aumentou 40% em função da guerra, o frete dobrou. A indústria fez o seu papel, se programou, foi lá, fretou navio. Agora precisamos de uma atenção da Receita Federal”, disse.
Movimento 'inevitável'
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), Isac Falcão, disse que o movimento é "inevitável" para evitar que se perpetue a situação atual, em que o governo cortou em 50% o orçamento da Receita neste ano. Apesar das filas nas aduanas, ele diz que o governo segue “fechado ao diálogo”. “Dizem coisas genéricas, que entendem nossos pleitos como importantes, justos, razoáveis. Mas não dão prazo para resolver os problemas”, completou.
Procurada, a Receita Federal não se manifestou.
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