SÃO PAULO - O Orçamento de 2021, votado pelo Congresso na semana passada com uma série de manobras fiscais para elevar emendas parlamentares, possui uma previsão de despesas sujeitas ao teto de gastos que irá extrapolá-lo em R$ 31,9 bilhões.
A projeção foi divulgada nesta segunda-feira (29) pela IFI (Instituição Fiscal Independente) e está próxima de cálculos feitos pelo Ministério da Economia e por outros economistas.
A título de comparação, esse valor equivale a quase todo o gasto do Bolsa Família neste ano (R$ 35 bilhões) e quase um quarto do dinheiro que o governo pode gastar livremente com investimentos e manutenção da máquina pública.
Um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) deve alertar o presidente Jair Bolsonaro sobre crime de responsabilidade fiscal caso ele sancione o projeto tal como foi aprovado pelos parlamentares.
Na contramão das projeções oficiais do governo, que indicavam a necessidade de revisar esses gastos para cima, o Congresso cortou despesas obrigatórias para abrir espaço artificialmente e incluir a demanda de emendas parlamentares.
O foco central é saber se a execução do Orçamento pelo presidente Jair Bolsonaro se configurará em crime fiscal. Nesse caso, o presidente teria de vetar o Orçamento para ajustar as despesas às projeções do Ministério da Economia.
Isso não significa que o teto será rompido, mas que o governo terá de fazer um corte relevante de despesas para cumprir a regra constitucional que limita suas despesas. Para a IFI, o risco de rompimento do teto é moderado em 2021 e só passa a ser elevado a partir de 2025.
Um corte nesse patamar poderia interromper a prestação de serviços públicos e vai depender do aval dos próprios parlamentares, conforme explica a IFI no relatório.
A IFI lembra que o relatório final da Comissão Mista de Orçamento foi modificado com alterações nas despesas obrigatórias e discricionárias em relação ao projeto inicial do governo. Várias despesas obrigatórias tiveram sua previsão revista para baixo, o que possibilitou o aumento de discricionárias derivadas de emendas de relator-geral e emendas de comissões permanentes.
Essas mudanças somaram R$ 26,5 bilhões. Foram reduzidas as previsões de gastos com Previdência (R$ 13,5 bilhões), abono salarial (R$ 7,4 bilhões), seguro-desemprego (R$ 2,6 bilhões) e subsídios ao agronegócio e à agricultura familiar (R$ 2,5 bilhões), além de R$ 457 milhões em despesas discricionárias (não obrigatórias) do Executivo.
No gasto previdenciário, R$ 4 bilhões de economia estão condicionados à aprovação de lei ou edição de medida provisória que altere as regras do auxílio-doença nos próximos 30 dias.
Do lado dos acréscimos, as emendas de comissão cresceram R$ 198 milhões. As emendas do relator-geral, R$ 26 bilhões. Segundo a IFI, há ainda R$ 253,9 milhões em acréscimos de despesas discricionárias do Executivo. Desses acréscimos, cerca de 60% vão para saúde e urbanismo.
A IFI destaca que o valor de despesas projetadas com abono, seguro-desemprego e Previdência no Orçamento estão R$ 34 bilhões abaixo da projeção do governo divulgada neste mês.
O teto de gastos para 2021 é de R$ 1,486 trilhão. As despesas sujeitas ao teto na nova versão do Orçamento são estimadas pela IFI em R$ 1,518 trilhão.
"Para cumprir o teto de gastos e sob as premissas que a IFI considera mais prováveis para as despesas obrigatórias, o Orçamento terá de ser contingenciado no montante acima calculado [R$ 31,9 bilhões] ao longo do ano", afirma a IFI.
A IFI afirma que, caso o Executivo tenha que recompor as dotações dos gastos obrigatórios cortados pelo Congresso, dado que há pouco espaço no teto de gastos, isso só poderá ser feito por meio de projeto de lei que solicite a alteração ao próprio Congresso, conforme prevê o texto aprovado pelos parlamentares na semana passada.
Seria necessário, portanto, convencer parlamentares a trocarem a destinação de suas emendas (verbas para projetos na base eleitoral), por exemplo, saindo de uma obra e passando a bancar um gasto obrigatório, como pagamento de aposentadorias e benefícios sociais, ou custeio da máquina pública.
Servidores do Ministério da Economia divulgaram nota neste sábado (27) criticando as manobras aprovadas pelo Congresso.
Com a ação no TCU, o grupo quer barrar também o discurso de que a responsabilidade pela aprovação do Orçamento é do Congresso. Dessa forma, o que se quer evitar é que, no futuro, o presidente Bolsonaro diga que não tem culpa de que os congressistas tenham aprovado uma lei orçamentária irresponsável.
Há uma pressão política para o veto do presidente como medida corretiva. Se o presidente não vetar, terá de sustentar as razões pelas quais tomou essa decisão.
O mesmo grupo já enviou carta ao presidente Bolsonaro, na sexta-feira, cobrando explicações sobre como o governo vai cumprir o teto de gastos, regra constitucional que limita o avanço das despesas à inflação, sem recorrer à "pedalada fiscal", que resultaria em crime de responsabilidade, passível de impeachment.
Para o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), o que se espera é que o TCU dê uma saída para a revisão do Orçamento. "Se o Orçamento continuar assim, vai dar tudo errado", previu. O Tribunal já determinou, no passado recente, que algumas despesas não fossem pagas.
Segundo o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), a representação cobra uma posição sobre as despesas obrigatórias, já que o Tribunal teve posição decisiva nas "pedaladas" do governo Dilma Rousseff. O ex-presidente da Câmara ressaltou que o TCU precisa deixar claro que está ocorrendo o retorno do orçamento criativo.
O deputado Vinicius Poit (Novo-SP), que assinou a carta ao presidente, informou que o partido terá uma reunião hoje para decidir se vai entrar com o pedido no TCU.
Já o Ministério da Saúde, mesmo com a pandemia da covid-19, ficou com R$ 4 bilhões em investimentos, um quarto do orçamento de Marinho. As emendas do relator elevaram para R$ 52,5 bilhões a dotação de investimentos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Levantamento mostra que os investimentos para o Ministério do Desenvolvimento (MDR), do ministro Rogério Marinho, com as novas emendas, triplicaram para R$ 16,1 bilhões, passando para o topo da lista, atrás do Ministério da Defesa com R$ 8,8 bilhões, que na votação ainda conseguiu abocanhar mais R$ 644 milhões.
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento, que representa Analistas e Técnicos de Planejamento e Orçamento (Assecor), se antecipou ao problema. Em nota pública, diz que admitirá que os profissionais de planejamento e orçamento sejam responsabilizados pelas manobras contábeis feitas na lei orçamentária de 2021. A categoria diz que a forma como a lei foi aprovada representou um verdadeiro "acinte à transparência no trato da coisa pública".
Há um acórdão do TCU que determina que conste no Orçamento o quanto será gasto em cada operação. Uma das alternativas apontadas pelos técnicos do governo é que haja determinação de que certas despesas obrigatórias não possam ser modificadas.
Escaldados pelo processo que condenou as "pedaladas fiscais" cometidas no governo Dilma Rousseff - e que acabaram resultando no impeachment -, a área técnica do Ministério da Economia também cogita recorrer ao Tribunal de Contas da União (TCU) no episódio do Orçamento de 2021. Os gestores não querem ser responsabilizados e já falam internamente no risco de "apagão das canetas" (quando ninguém quer assinar um documento com medo de ser responsabilizado), segundo apurou o Estadão/Broadcast.
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