O Brasil encerrou 2020 com saldo positivo na criação de vagas formais, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (28) pelo Ministério da Economia.
A geração líquida (contratações menos demissões) de 142.690 empregos com carteira assinada no ano passado, porém, não foi suficiente para repor aqueles perdidos durante a pior fase, para o mercado de trabalho, da crise provacada pela pandemia do coronavírus.
O ano terminou positivo por influência das cerca de 342 mil vagas criadas nos dois primeiros meses do ano, mostram os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
De março, logo após o coronavírus chegar ao Brasil, até junho o país eliminou 1,6 milhão de postos de trabalho. As empresas voltaram a contratar no segundo semestre, até novembro, mas menos do que demitiram nos meses anteriores: foram apenas 1,4 milhão de vagas abertas no período.
Em dezembro houve corte de 67,9 mil vagas, mas o movimento é comum para o mês, já que é quando são fechadas as vagas temporárias de fim de ano. O número é inferior ao registrado em anos anteriores, o que indica que poucos postos temporários foram criados.
Houve 15,166 milhão de admissões e 15,024 milhão de desligamentos no ano, que terminou com cerca de 38,9 milhões de trabalhadores com carteira, um crescimento de 0,36% sobre 2019.
O ministro Paulo Guedes (Economia) comemorou os dados dizendo que o país conseguiu, mesmo com a retração na atividade causada pela pandemia, registrar saldo positivo em 2020. Ele ressaltou que as recessões de 2015 e 2016 geraram demissões de 1,5 milhão e 1,3 milhão de pessoas, respectivamente.
Para o ministro, foi fundamental para o desempenho a criação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda que estabeleceu regras para empresas cortarem salários e jornadas ou suspenderem contratos de trabalho, com pagamento de um benefício ao trabalhador afetado.
"De um lado, o auxílio emergencial fez a maior transferência direta de renda. E, por outro lado, o programa de empregos preservou 11 milhões de empregos", disse Guedes, que parabenizou a própria equipe.
Até dezembro, o programa envolveu 1,4 milhão de empregadores e chegou a 9,8 milhões de trabalhadores. Com o auxílio emergencial, pago a informais sem renda e desempregados de baixa renda, o governo desembolsou R$ 33,4 bilhões até o ano passado, sendo que ainda há um valor residual a ser pago em 2021.
As expectativas dos técnicos do governo e de especialistas se voltam agora para os números daqui em diante, já que o programa se encerrou em dezembro e a pandemia continua.
O Ministério da Economia afirma que o risco de demissões é amenizado pela garantia provisória de empregos, prevista nas regras de redução de jornada e suspensão de contratos. A norma exige das empresas a preservação dos trabalhadores afetados pelo dobro do período em que adotaram a medida, sob pena de multa em caso de descumprimento.
Bruno Dalcolmo, secretário de Trabalho, disse que 3,5 milhões de trabalhadores contam atualmente com a garantia provisória. Em mais de 50% dos casos, afirmou, essas garantias se estendem até o meio do ano, o que diminuiria os riscos de aumento no desemprego.
Diante do recrudescimento da pandemia, Bruno Bianco, secretário especial de Previdência e Trabalho, indicou que o programa pode ser retomado em 2021.
"Em momento algum deixamos de lado esse pensamento [de novas medidas], mas obviamente isso demanda análise das circunstâncias e também uma análise política que fazemos junto com o ministro e o presidente da República. Então está em análise e, tão logo tenhamos algo concreto, faremos esse anúncio", disse Bianco.
Segundo ele, medidas estruturais para flexibilizar regras trabalhistas e reduzir o custo do trabalho também continuam sendo avaliadas. "Estamos fazendo programas contínuos de melhoria do ambiente de negócios, desburocratizando, revisando NRs [normas regulamentadoras], e também em paralelo estamos avaliando, em conjunto com a avaliação dos acontecimentos, se devemos ou não lançar mão de novas medidas relativas a momentos de crise", afirmou Bianco.
Ele avalia que o país está voltando a um cenário de normalidade no mercado de trabalho. Mas especialistas ouvidos traçam um cenário incerto, com dados de emprego ainda pressionados no curto prazo.
Renan Pieri, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia ser importante que o programa de manutenção de empregos seja retomado. Mesmo assim, alerta que a política pode não funcionar da mesma forma devido à situação das empresas, ao avanço da pandemia e à incerteza em relação a seu término.
"No ano passado, as empresas achavam que a pandemia ia durar até três meses. Agora, o aprendizado é que ela não vai embora tão cedo e, portanto, possivelmente a gente tenha menos adesão a esse tipo de política", afirmou. "Se você não tiver perspectiva de volta da economia, é menos arriscado enxugar as contas ao máximo para permanecer vivo no mercado", disse.
Lucas Assis, especialista de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria Integrada, afirmou que os dados sinalizam uma recuperação gradual para 2021 em linha com o reaquecimento da atividade e menores perdas de capital das empresas.
A retomada do contingente de ocupados no curto prazo, porém, deve ser limitada pelas elevadas incertezas frente à piora da pandemia, avaliou.
"A evolução de casos da Covid-19, nas últimas semanas, e a consequente adoção de medidas restritivas às atividades econômicas devem inibir maior ímpeto das contratações, especialmente no setor de serviços", disse Assis.
O setor de serviços foi o único que fechou vagas no acumulado do ano passado. Atingido de forma mais intensa pelo isolamento social, cortou 132,5 mil postos. Nesse caso, pesaram nos números as demissões nos segmentos de alojamento e alimentação, além de transporte, armazenagem e correio.
Por outro lado, geraram vagas construção (112,1 mil postos), indústria (95,5 mil), agropecuária (61,6 mil) e, com menor força, comércio (8,1 mil).
"Para os próximos meses, a expectativa é de maior desaceleração do ritmo de crescimento do setor de serviços. O principal fator limitante são os sinais que configuram a segunda onda da pandemia, motivando restrições na oferta e demanda das famílias por serviços ligados ao setor", afirmou Assis.
O fechamento de vagas nos serviços e a baixa contratação no comércio impactou o Sudeste, que perdeu 88,7 mil vagas a única região do país a terminar o ano no negativo. O resultado foi devido ao corte de 127,155 mil vagas no Rio de Janeiro e 1.159 em São Paulo, estados com forte presença das duas categorias, em especial dos segmentos de hotelaria e alimentação, afetados de forma significativa pela pandemia.
"O Rio mantém uma atividade econômica relevante por ter uma população numerosa, com [forte] atividade de comércio e serviços, muito prejudicados pela crise", disse Dalcolmo, do Ministério da Economia. Ele também citou como fatores a degradação econômica vivida pelo estado nas últimas décadas, com transferência de fábricas para outros estados, e as crises políticas locais geradas a partir de escândalos de corrupção nos últimos anos.
Na outra ponta, o Sul puxou as contratações (85,5 mil postos criados), seguido pelo Norte (62,2 mil), Centro-Oeste (51 mil) e Nordeste (34,6 mil).
Os dados apontam diferença nos mercados formal e informal, já que a taxa de desemprego medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) foi de 14,1% no trimestre encerrado em novembro de 2020. Essa é a taxa mais alta para o período desde o início da série (em 2012).
Enquanto o Caged mede apenas o emprego com carteira assinada, regido pelas regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), os dados do IBGE são mais amplos ao pesquisarem também o mercado informal.
Os técnicos ressaltaram que o IBGE já mostra, por outro lado, uma leve queda no desemprego em relação ao trimestre encerrado em agosto (de 14,4%), além de um aumento no número de pessoas ocupadas.
Segundo Bianco, o governo acompanha os números e avalia seguir com ideias como a Carteira de Trabalho Verde e Amarela (proposta que flexibiliza a legislação trabalhista com objetivo de gerar mais empregos formais) enquanto avalia outras oportunidades. "Políticas que estavam lá [no texto, não aprovado pelo Congresso] podem ser reformuladas. E podemos pensar em outras formas", disse, sem detalhar.
Os técnicos foram questionados ainda sobre possíveis subnotificações de demissões a partir da nova metodologia do Caged, em vigor em 2020. Segundo eles, o problema foi observado no começo da crise (em março e abril), mas o cruzamento com outras bases de dados (como o seguro-desemprego), feito pelo próprio Ministério, já teriam solucionado o problema.
O resultado de dezembro ainda não tem ajuste de declarações feitas pelas empresas fora do prazo e, por isso, alterações nos números devem ser observadas nas próximas divulgações.
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