Cuidar de si sem perder a empatia e buscar conforto com consciência social e ecológica. Depois da prioridade zero (não perder a fonte de renda), essas serão as principais demandas dos consumidores pós-pandemia.
O admirável e temido mundo novo nem é tão novidade para empresas de previsão de tendências. O que os consultores veem é uma aceleração de movimentos já esperados.
"Nossa metodologia é traçar panoramas para dois, três anos à frente. Vivemos uma antecipação do que foi apontado para 2021-22", diz Luiz Arruda, responsável pela Mindset, ramo de consultoria de negócios da WGSN Brasil.
A ansiedade e o medo, características da contemporaneidade, já levam as pessoas para a segurança do lar desde o início do século. A preocupação com a Covid-19 pandemizaram essa tendência, consolidando o comércio eletrônico e os serviços digitais.
O consumo pela internet se intensificou de forma irreversível, mas esse crescimento quase compulsório também aumentou o desejo de se reconectar com gente de carne e osso. "A retomada do varejo será com formas híbridas, consumo online associado a ponto de venda físico", diz Dario Caldas, consultor e fundador do Observatório de Sinais.
A aposta é em empresas que criem relacionamentos mais amigáveis, transparentes e resolutivos com o consumidor. Atendimento, eficiência na distribuição, acompanhamento pós-venda e programas de benefício são diferenciais.
Apesar do crescimento do consumo virtual, a retomada da demanda pelo comércio físico está no horizonte. Mas não dá para ficar otimista com imagens de filas de consumidores nas portas de shoppings e lojas, diz a antropóloga social Ana Carolina Balthazar, professora da PUC-Rio.
Segundo ela, uma das consequências da recessão mundial prevista é a perda do poder aquisitivo da população.
Mesmo assim, há potencial para o consumo presencial, principalmente no setor de luxo. "O consumidor vê valor na experiência do ponto de venda, na interação com vendedores que fazem uma espécie de curadoria", diz. Quem conseguir trazer isso para o mundo virtual sai ganhando.
Cumprir protocolos de saúde nas lojas, seja com o uso de máscara ou com a boa higienização do ambiente, será fundamental para atrair consumidores. "Mas não adianta transformar isso em um esquema militarizado. As pessoas querem segurança, mas não aguentam mais se sentirem amedrontadas", diz Caldas.
Além de ficar seguro em casa, outra prioridade é cuidar da saúde física e mental, do bem-estar. O setor de higiene foi um dos que cresceu desde o início da quarentena, de acordo com o Sebrae.
Há espaço para produtos de cuidados pessoais e beleza, cursos de dança, programas de meditação, telemedicina.
Com o desejo de mais conforto e relaxamento, cresce também a procura de produtos e serviços para a casa, incluindo bricolagem, o "faça você mesmo". Entram aí serviços de manutenção e pequenos consertos, produtos para facilitar tarefas domésticas e peças de design.
Neste último item, outra demanda da vida antes da Covid-19 ganha força: a busca por materiais naturais, itens artesanais, plantas dentro de casa.
Mas, na decoração, uma tendência que se mostrava forte até o início deste ano arrefeceu. A exploração dos sentidos, por meio de texturas, por exemplo, ficou meio fora de lugar já que a ordem é evitar o contato das mãos com superfícies onde, eventualmente, o vírus poderia se alojar.
"Nas últimas feiras de decoração, muitos produtos trabalhavam a sensorialidade com apelo ao toque. Agora, não vai rolar", afirma Caldas.
A saúde ganha também uma dimensão planetária. Há uma percepção mais clara de como o ambiente afeta o indivíduo --até o papa Francisco se pronunciou sobre a relação entre a pandemia e a mudança climática, lembra Caldas.
O consumidor está mais consciente de seu papel na preservação ambiental e espera isso das empresas, assim como responsabilidade social.
Políticas claras das marcas e produtos sustentáveis atendem melhor essa demanda. Isso também pode favorecer produtores locais e empreendimentos pequenos que tenham conseguido sobreviver ao período de quarentena.
Empresas já adaptadas para oferecer soluções e produtos sustentáveis sairão na frente, diz Balthazar, mas a antropóloga lembra que essa preocupação do consumidor vem ocorrendo há algum tempo.
"Grandes transformações sociais levam anos para serem construídas. A população foi forçada a experimentar novos hábitos, mas ainda não dá para falar em mudanças estruturais", diz ela.
No momento, a categoria chamada de alta recompensa cresce com aumento da demanda por brinquedos sexuais, videogames e streamings de entretenimento - que são válvulas de escape para ansiedade e angústias reforçadas pela pandemia.
Já para os setores de eventos e turismo, a vida ficou mais difícil. Várias festas e seminários foram cancelados, alguns migraram para plataformas digitais, assim como viagens de trabalho foram substituídas por encontros online.
A previsão é que esses modelos continuem no futuro, combinados a eventos presenciais, possivelmente com menor público, e viagens também em menor escala.
Segundo o Sebrae, o cenário ainda é muito novo e qualquer previsão de longo prazo é arriscada. Os economistas preveem para 2020 uma enorme recessão, tanto para o Brasil como para a economia mundial. Isso se traduz em retração do consumo, desemprego e queda no PIB das principais economias do mundo.
"Os empreendedores vão encontrar um mercado completamente mexido - pelos concorrentes que fecharam as portas, pelas alterações no preço de fornecedores e por novas expectativas de consumo", diz Livia Fioretti, responsável pelo Global Insight Network e tendências da Trendwatching.
Para ela, será preciso uma boa dose de criatividade para se reinventar. "É uma questão de jogo de cintura. As oportunidades dependem do estágio de adaptação de cada empresa às necessidades da nova década. As que estão digitalizadas ou encontraram maneiras de se aproximar dos clientes têm vantagem", diz Fioretti.
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