O final de semana foi marcado pela decisão do governo Jair Bolsonaro de divulgar apenas parcialmente as informações sobre os mortos pelo novo coronavírus.
Já no espectro econômico, dados sobre atividade econômica, emprego, contas públicas e taxas de juros têm apresentado distorções, ainda que não de forma deliberada.
O motivo é a mudança radical no cenário econômico provocada pela pandemia.
A Folha de S.Paulo analisou estatísticas referentes aos meses de março, abril e início de maio já divulgadas e ouviu especialistas que mostram como será necessário mudar a forma de interpretar alguns desses números nos próximos meses.
Apesar do aumento do risco de crédito e da dificuldade de acesso de empresas de menor porte a empréstimos, as taxas nas principais linhas para pessoas jurídicas recuaram em abril, segundo dados do Banco Central.
Houve queda tanto no custo de captação dos bancos, influenciado pela redução da taxa básica, como no spread bancário, diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar recursos e a que é cobrada nos empréstimos. O spread pode refletir, por exemplo, medidas anunciadas pelo governo para aliviar o custo do crédito.
Além disso, a taxa divulgada se refere às operações efetivamente realizadas e houve mudança no perfil de quem contratou crédito, com participação maior de grandes empresas - que oferecem menos risco de calote e tem juros menores. Dados da Febraban (federação dos bancos) mostram que as grandes empresas ficaram com 74% do crédito a pessoas jurídicas de 16 de março a 8 de maio.
Outro número que ajuda a entender o fenômeno é o Indicador de Facilidade de Acesso ao Crédito extraído das Sondagens Empresariais do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da FGV). Ele começou a despencar em fevereiro e atingiu em abril o menor valor desde junho de 2016, com ligeira recuperação em maio.
"O governo está tentando aumentar o crédito, o cenário de Selic está favorável e a gente esperava ver um aumento das concessões, mas as empresas estão reclamando", afirma a economista do FGV Ibre Renata de Mello Franco.
A crise também mudou a maneira de se observar os dados do mercado de trabalho. Pelo IBGE, só são considerados desocupados trabalhadores que procuraram emprego nos 30 dias anteriores ao período da pesquisa e que estavam disponíveis para trabalhar naquela mesma semana.
O distanciamento social e o fechamento temporário de empresas e serviços não essenciais fazem com que muitas pessoas não possam buscar trabalho e não estejam disponíveis imediatamente.
Por isso, especialistas avaliam que a estatística mais relevante nos próximos meses será o nível de ocupação e da força de trabalho.
Os dados mais recentes mostram que 4,9 milhões de brasileiros deixaram de trabalhar no trimestre encerrado em abril em relação aos três meses encerrados em janeiro.
Desses, 900 mil procuraram trabalho, ou seja, engrossaram a estatística do desemprego, cuja taxa chegou a 12,6%.
Os outros 4 milhões são pessoas que ficaram sem ocupação e que não procuraram emprego no período da pesquisa.
Outro fator que segurou o desemprego é a possibilidade de suspensão de contratos e redução de jornada durante a pandemia -8,1 milhões de trabalhadores foram incluídos nesse programa.
"O programa de redução de jornada é muito potente. Por causa desse programa, o nosso desemprego não vai crescer na mesma intensidade vista nos EUA. Eles saíram de uma taxa de 4% para 14% em um mês", afirma a economista Margarida Gutierrez, professora de Macroeconomia do Coppead/UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Em um momento de mudanças rápidas no cenário econômico e elevada incerteza, a defasagem na divulgação dos dados aumenta a importância da análise de indicadores antecedentes. Entre eles estão sondagens e índices de confiança de empresários e consumidores, risco-país, juros futuros e câmbio.
"Os indicadores de nível de atividade hoje são de menor relevância. O PIB está olhando para trás, a gente já sabe que ele vai cair. O problema está em visualizar uma possibilidade de recuperação, o que depende principalmente da questão da saúde", afirma Gutierrez.
A redução na taxa Selic pelo Banco Central, para 3% ao ano, por exemplo, não é necessariamente um sinal de que a economia terá um forte impulso, segundo ela, que destaca a importância de se olhar toda a curva de juros.
"Quando os juros futuros começam a subir, mesmo com a Selic caindo, significa que isso não vai surtir o efeito esperado no custo de crédito."
O professor João Luiz Mascolo, do Insper, afirma que os primeiros indicadores a sinalizar uma melhora no ambiente econômico devem ser os mercado financeiro, como Bolsa, juros e taxa de câmbio, seguidos pelos dados de atividade, como as pesquisas mensais do IBGE. Ele avalia que os indicadores de confiança vão demorar mais a se recuperar.
"O empresário não vai dizer que está confiante antes de ver uma melhora de fato."
Outra questão sensível são as contas públicas. As divulgações mais recentes do Tesouro Nacional mostraram queda na dívida mobiliária, mas esse dado trata apenas de títulos públicos e a queda está relacionada à dificuldade do governo em encontrar compradores para os papéis e a uma onda de resgates antecipados por investidores.
O indicador mais importante para o endividamento do país continua sendo a dívida bruta, que deve ultrapassar 90% do PIB neste ano. O patamar recorde, no entanto, também deve ser relativizado, pois todos os países estão se endividando para tentar manter suas economias funcionando durante a pandemia.
Para analistas, o fundamental será manter esses gastos sob controle e evitar um aumento forte dos juros, dois fatores que limitariam o crescimento da dívida nos próximos anos.
Também é importante garantir que o país volte a crescer para que a relação entre dívida e PIB possa voltar a cair e gerar superávits para reduzir o endividamento.
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