Envolvido na elaboração das medidas para enfrentar a crise da covid-19, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, o "homem do cofre", diz que o governo está preparado para gastar mais se for necessário para proteger as pessoas em situação de risco. Mas avisa: se o governante utilizar esse espaço para uma "farra fiscal", poderá ter problemas no futuro com órgãos de controle e ou com os seus eleitores. Para ele, não existe dinheiro de "A ou de B" na ajuda da crise. "O dinheiro é do contribuinte, e todos os programas públicos são financiados com dinheiro de impostos e dívida."
Ele antecipou que prepara uma mudança para que Estados não sejam punidos nas operações de empréstimos já analisadas e que podem ter problemas na aprovação final em decorrência do cenário de não pagamento de dívida recente. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Todos do Tesouro entendem a necessidade da expansão das despesas temporárias, em especial, gastos com saúde, para amenizar o efeito da crise nas famílias de baixa renda ou trabalhadores sem renda, e políticas para manutenção do emprego. Antes mesmo da declaração de calamidade pública, defendi a mudança da meta de primário para gastar mais com saúde e para combater os efeitos econômicos e sociais. Com todo respeito a quem critica, acho que não procede. Acontece que, para poder gastar, precisamos ter fonte para a despesa e cumprir com as regras fiscais em vigor.
O decreto de calamidade pública afasta apenas a necessidade de cumprir a meta de primário (resultado calculado pela diferença entre as despesas do governo e as receitas com tributos, sem levar em conta os gastos com os juros da dívida), mas não excepcionaliza o cumprimento das demais regras, entre as quais, a regra de ouro, que é uma regra constitucional (impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como salários, Previdência Social e benefícios assistenciais). Isso só foi resolvido com a liminar do ministro (do STF) Alexandre de Moraes e, posteriormente de forma definitiva, com a PEC do orçamento de guerra.
Não é questão de estar ou não preparado. Se isso acontecer, nós teremos de, necessariamente, fazer isso para garantir que não faltarão recursos para saúde e para proteger as pessoas em situação de risco. Mas por enquanto não esperamos que isso aconteça.
Por enquanto, aqui e no resto do mundo, se trabalha com um cenário de distanciamento social por alguns meses. Não faz sentido neste momento especular o cenário de retomada da economia. O aumento do gasto público este ano, em uma situação de calamidade pública, é totalmente legítimo e necessário. Por enquanto, ninguém espera que essa situação se repita no próximo ano e, sendo este o caso, não há por que continuar com políticas que só se justificam em um contexto de calamidade.
Não acho isso. Se qualquer governante utilizar o espaço fiscal dado pela boa vontade do STF e do Legislativo para viabilizar políticas públicas que não estejam relacionadas à crise do coronavírus e transformar isso em uma farra fiscal, acho que qualquer governante poderá ter problemas no futuro com órgãos de controle e com os seus eleitores.
Eu não sei o que o presidente do Banco do Brasil falou e não me cabe interpretar o que outro membro da equipe econômica falou. Mas não existe dinheiro de A ou de B. O dinheiro é do contribuinte e todos os programas públicos são financiados com dinheiro de impostos e dívida.
Os Estados teriam de fazer muitas coisas erradas para chegarmos a uma situação que colocaria em risco o ajuste fiscal. Não há hoje esse risco. Vários Estados já receberam ajuda neste ano com a suspensão do serviço da dívida com a União, a decisão do governo federal de recompor as perdas com FPE (Fundo de Participação dos Estados) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e até mesmo a postergação de impostos federais, como o PIS/Pasep.
Para ocorrer um risco de quebradeira dos Estados o governo federal teria de permitir uma expansão muito rápida da dívida pública com novas operações de crédito em valores muito alto. Ninguém na equipe econômica concordaria em fazer algo que colocasse em risco a recuperação da economia e a retomada do ajuste fiscal no próximo ano.
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