As companhias aéreas brasileiras entram em 2024 pressionadas para reduzir os preços das passagens. O clamor por viagens mais baratas parte não só do consumidor, mas também do governo Lula, que voltou à Presidência resgatando o bordão de que nas gestões do petista o pobre viajava de avião. Porém, a queda não vai ser fácil.
O assunto leva as aéreas à berlinda no momento em que elas ainda sofrem as consequências da pandemia, que travou o setor, e da Guerra da Ucrânia, que impulsionou o combustível, entre outros motivos.
O porta-voz da pressão por preços mais baixos é o ministro de Portos e Aeroporto, Silvio Costa Filho, que tem anunciado diálogo com o setor para buscar soluções, enquanto Azul, Gol e Latam se comprometem a tentar vender bilhetes mais baratos. No entanto, especialistas alertam que o recente reaquecimento da demanda e o modelo regulatório brasileiro desfavorecem as grandes promoções — como aquelas praticadas pelas chamadas low costs, as companhias de baixo custo que não operam no Brasil.
Em dezembro, mês de alta temporada, quando as passagens disparam, os presidentes das três empresas participaram de evento com o ministro para anunciar uma série de esforços. A Azul disse que vai fornecer 10 milhões de assentos por menos de R$ 799 neste ano, enquanto a Gol estimou 15 milhões de passagens por até R$ 699.
Pode parecer que o governo teve sucesso na pressão para baratear as passagens, porém, na prática, a tarifa real média do voo doméstico já estava em R$ 618 no acumulado de janeiro a outubro de 2023, segundo os dados mais recentes da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Cerca de 53% dos bilhetes vendidos não ultrapassaram os R$ 500, conforme as medições do órgão. Os mais caros são aqueles comprados de última hora, perto da data do embarque.
A Latam, por sua vez, se comprometeu a elevar a oferta de passagens em 10 mil assentos por dia, o que será feito com aumento de frota. A medida deve dar um fôlego no momento em que o setor recupera a demanda perdida na pandemia, superando os 100 milhões de passageiros transportados de janeiro a novembro, pela primeira vez desde 2019.
Os dados da Anac mostram que o bilhete encareceu nos últimos anos, saindo de um patamar médio em torno de R$ 500 há menos de uma década (já com despacho de bagagem incluída até 2017), para mais de R$ 600 atualmente (fora a cobrança separada para quem leva mala). Apesar do avanço ao longo do tempo, as tarifas médias mais recentes indicam queda de R$ 657,86 em 2022 para R$ 618 em 2023, nos acumulados de janeiro a outubro.
Para mostrar algum resultado mais expressivo, Lula terá de desemperrar o Voa Brasil, programa de passagens a R$ 200 para grupos específicos como aposentados e alunos do Prouni, com o qual as aéreas também se disponibilizaram a colaborar.
O lançamento do Voa Brasil estava prometido para agosto, mas não saiu do papel, e a nova expectativa é que o ministro se reúna com Lula na primeira quinzena deste mês para apresentar os detalhes.
Jurema Monteiro, presidente da Abear (associação de empresas aéreas), afirma que a retomada da demanda ao patamar pré-Covid sugere retorno à normalidade, mas o setor segue com a oferta pressionada. Na pandemia, as companhias estacionaram centenas de aviões, mas depois precisaram de reforço no caixa para fazer manutenção de motores, recertificação de equipamentos, compra de peças e partes para a retomada de suas operações.
"Aconteceu no mundo todo. Elas não tinham caixa para isso de imediato. Então, foram fazendo aos poucos. Nem todas conseguiram e algumas estão operando com frota menor e otimizando as malhas. Ainda há rotas com pressão de demanda, mas sem capacidade de elevar oferta, e esse equilíbrio faz diferença na composição do preço", afirma Monteiro.
Segundo a Abear, a demanda subiu 7,5% entre 2022 e 2023, mas a oferta só avançou 6%. "Significa que temos mais demanda crescendo do que a capacidade de assentos no mercado", diz.
Tiago Pereira, diretor da Anac, também vê pressão de alta, embora algumas das variáveis que influenciam os preços tenham apresentado sinais mais favoráveis nos últimos meses.
"O QAV [querosene de aviação] caindo e o dólar em viés de baixa são pressões de curto prazo no sentido de reduzir custos. Mas as empresas ainda estão em dificuldade de ampliar a oferta. Se estamos vendo aumento na taxa de ocupação das aeronaves, e se estão reduzindo a oferta, então é pressão de alta. Não consigo cravar qual será a resultante final", diz Pereira.
Para Ricardo Fenelon, ex-diretor da Anac, é difícil ver espaço para queda de preço no Brasil enquanto não houver redução de custos, melhora econômica e aumento da concorrência. Ele alerta para o forte endividamento que persiste no setor, e o momento de aquecimento na demanda pode ser usado para recompor margens das empresas.
"O aumento de passageiros não significa que as companhias voltaram a ter lucro. Tudo indica que o governo cometeu um grande erro ao não ajudar o setor, como fizeram nos EUA. É incoerente cobrar queda de preço enquanto se aumenta o custo tributário das empresas em R$ 11 bilhões por ano com a nova reforma tributária", diz Fenelon.
O professor do IDP José Roberto Afonso, que estuda o setor, cita outros impactos de abrangência mundial, como os novos padrões de redução de emissão de poluentes, que exigem investimento em modernização dos aviões.
"O que derruba preço é a entrada de empresas low cost. O problema é que no Brasil nós temos high cost [alto custo] e queremos low price [preço baixo]. As autoridades podem falar o que quiserem. A conta não fecha", diz Afonso.
Para ele, o governo deveria formalizar ações para baratear a viagem de pessoas com emergências de saúde ou morte na família.
"Temos de tomar cuidado com a discussão que estamos tendo no Brasil. O pessoal reclama do preço, mas 90% dos brasileiros não viajam de avião. Dos 10% que viajam, quem vai a turismo em viagens mais populares já aprendeu que precisa comprar com antecedência. O grande problema é a passagem de última hora. O grosso de quem compra de última hora, e paga caro, é corporativo e governo, sobretudo parlamentares, primeiro escalão de governo e ministros de cortes superiores", diz Afonso.
Segundo a Latam, é difícil fazer previsões agora. "O preço do combustível depende da dinâmica mundial de petróleo e câmbio. E depende da metodologia de precificação da Petrobras. Não é uma decisão fácil, mas este deveria ser o foco se não queremos mais ser o país com o combustível entre os mais caros do mundo. O Brasil também precisa seguir as convenções mundiais e parar com o hábito de atribuir indenizações e danos morais em casos de contingência [para reduzir judicialização]", diz a Latam em nota.
Procuradas pela reportagem, a Azul afirma que "vem construindo pauta com entes públicos para melhorar o cenário de custos estruturais". A Gol diz que fará promoções e recomenda aos clientes que se programem para comprar com antecedência.
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