A proposta em elaboração pelo Ministério da Economia para abrir espaço no Orçamento e turbinar o Bolsa Família deve determinar o parcelamento de todos os precatórios do governo federal com valores acima de R$ 455 mil.
A informação foi divulgada pela secretaria especial do Tesouro e Orçamento da pasta nesta terça-feira (3). A medida ainda não foi apresentada formalmente pela pasta ao Congresso.
O gasto do governo com o cumprimento de sentenças judiciais deve passar de R$ 55,4 bilhões neste ano para R$ 89,1 bilhões em 2022. A forte expansão compromete os planos do governo para o ano eleitoral ao pressionar o teto de gastos - regra que limita as despesas públicas à variação da inflação.
Por isso, o governo prepara uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para adiar o pagamento de precatórios (dívidas do governo reconhecidas pela Justiça). O plano prevê a abertura de uma margem de R$ 41,5 bilhões no Orçamento do ano que vem, segundo o ministério.
Dos 264 mil precatórios a serem pagos em 2022, 8.818 seriam parcelados. Esses débitos adiados corresponderiam a 3% da quantidade de precatórios, mas correspondem a 63,3% dos valores a serem pagos.
Nesta terça-feira, ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o governo não tem capacidade para o pagamento de todos os precatórios programados para 2022 e por isso está propondo o parcelamento dos valores. "Devo, não nego; pagarei assim que puder", afirmou.
De acordo com a secretaria, a PEC implementará dois mecanismos. O primeiro será provisório, com validade até 2029.
"Os precatórios seriam organizados em ordem crescente, e os maiores, que fizessem com que a soma ultrapassasse 2,6% da receita corrente líquida acumulada entre julho de 2020 e junho de 2021, seriam parcelados", explicou a pasta.
Considerando esse percentual, seriam atingidos todos os precatórios com valor superior a R$ 455 mil. No total, seriam parcelados 8.771 débitos.
O segundo é permanente e prevê que todos os precatórios com valor superior a R$ 66 milhões (60 mil salários mínimos) serão parcelados em dez anos - entrada de 15% e mais nove parcelas anuais.
Essa medida atingiria de imediato os 47 maiores precatórios do governo federal, o que deve gerar uma economia de R$ 22,6 bilhões no próximo ano.
Chegou a entrar em debate na pasta a possibilidade de parcelar todos os débitos acima de R$ 66 mil. A nova versão do texto, portanto, traz valor maior, poupando todos os precatórios menores do que R$ 455 mil.
A secretaria explicou que a Constituição já permite o parcelamento de precatórios, mas a regra foi elaborada de uma forma que não haveria possibilidade de adiar o pagamento de nenhum débito em 2022.
Pela norma em vigor, apenas poderão ser parcelados os débitos com valor superior a 15% do montante total de precatórios. Nenhum dos 264 mil precatórios do governo federal cumpre essa exigência.
O órgão afirmou que a PEC é relevante para comportar despesas do governo. Citou ainda determinação da Justiça para justificar a busca pelo reforço de programas sociais.
"Há também a necessidade de incluir no Orçamento outras decisões judiciais com impacto fiscal expressivo, como o mandado de injunção que regulamentou a Renda Básica Universal", disse.
Em abril deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o governo federal terá que implementar a partir de 2022 um programa de renda básica nacional. O valor a ser pago mensalmente deve ser definido pela União.
Segundo o Supremo, o benefício deverá abranger toda população que esteja em situação de extrema pobreza, com renda pessoal inferior a R$ 178 mensal.
O ministério confirmou que a PEC também vai prever a criação de um fundo destinado ao pagamento de passivos da União. Os valores do fundo poderão ser direcionados para eventuais necessidades de adiantamento de parcelas de precatórios ou para pagamento de outras dividas públicas.
A pasta esclarece que os parcelamentos não atingirão as chamadas requisições de pequeno valor, dívidas mais baixas e que têm prazo de 60 dias para quitação. Para 2022, esses pagamentos estão previstos em R$ 19,9 bilhões.
Em videoconferência nesta terça, Guedes afirmou que a medida em discussão com o Congresso não vai levar à falta de pagamento dos precatórios. "Não haverá calote", afirmou, em evento virtual promovido pelo site Poder 360.
Guedes afirmou que o volume de quase R$ 90 bilhões em precatórios previstos para 2022 consumiria todo o espaço extra no espaço do teto de gastos no ano que vem (que era calculado pelo governo em torno de R$ 30 bilhões). "O número extrapolou qualquer possibilidade de reserva de nossa parte", disse.
A solução via PEC (proposta de emenda à Constituição) foi sugerida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, segundo Guedes. "[Foi] sugestão do próprio ministro Gilmar Mendes, eu estava surpreso com o conteúdo e liguei para ele. Ele disse 'olha, já aconteceu antes e há soluções", afirmou Guedes.
"Os superprecatórios já estão [pela proposta] automaticamente parcelados. Os pequenos, justamente os mais vulneráveis, terão garantido o pagamento pronto e imediato", afirmou.
Guedes reconheceu que o crescimento dos precatórios pode representar uma falha de monitoramento e atuação do governo, mas ressaltou que desde o ano passado já cita uma possível "indústria" de precatórios contra o governo.
"Você fala assim: 'Vocês dormiram no ponto?' Possivelmente sim. O governo em alguma coisa falhou. Nós sabíamos, eu reclamei do ritmo de crescimento. Mas sinceramente não havia o que pudéssemos fazer. Isso vem do espaço exterior, de instâncias às quais não temos alcance", afirmou.
"Pode ter havido culpa nossa, vou correr atrás. Mas reagimos rápido. Formulamos em 10 ou 12 dias, assim que recebemos o número do Ministério da Justiça, liguei para o STF, para o presidente da República", disse.
Gilmar Mendes, do STF, participou do evento virtual e foi questionado sobre como garantir que a PEC não seja vista como inconstitucional. Ele não quis comentar o tópico diretamente. "Certamente, não vou emitir juízo sobre essa questão agora porque esse tema acaba sendo judicializado", afirmou.
Mesmo assim, Gilmar afirmou que considera equivocada uma decisão anterior do STF (a emenda 62, de 2000) - que, na época, viu inconstitucionalidade em regra que parcelaria precatórios.
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