A PEC (proposta de emenda à Constituição) do Estado de Emergência aprovada no Senado na quinta-feira (30) é inconstitucional e deveria ser barrada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral.
Para evitar que o presidente Jair Bolsonaro (PL) se beneficie da proposta que atropela a legislação eleitoral, o melhor caminho seria contestar o dispositivo assim que ele for promulgado pelo Congresso.
Um questionamento posterior às eleições - ou à liberação do dinheiro previsto - pode levar à cassação do registro da candidatura ou do diploma, em caso de reeleição, mas essa seria uma decisão menos provável, avalia o especialista, pois o presidente poderá alegar que agiu de boa-fé e com base na legislação vigente.
"Se aprovada, será uma PEC inconstitucional. É um estado de emergência criado de forma artificial. Se [o governo] suspendeu o decreto de calamidade pública, é porque não tem emergência agora em relação à pandemia. Estado de emergência e de calamidade pública, para efeitos de pandemia, é a mesma coisa. Em relação à guerra, ela já tem quatro meses. Então é uma emergência fabricada."
"Por que foi fabricada essa emergência? Aí vamos entrar na lei eleitoral. O parágrafo 10 do artigo 73 fala que não pode conceder benefícios a não ser em casos de emergência, calamidade pública, tem as exceções lá. Inclusive ressalvado programa social já existente. O aumento da verba do programa social está contemplado ali. Para aumentar de R$ 400 para R$ 600 não precisa de PEC. A lei fala que pode aumentar. Tem jurisprudência do próprio TSE, porque não está criando um novo programa. A PEC quer mais. Não é só aumentar o programa social. Quer criar programa novo, dos caminhoneiros, para os táxis, querem fazer coisas novas, quando a lei expressamente proíbe."
"Então faz PEC para dizer que está acima da lei, que não vale a lei eleitoral. Há um desvio de finalidade muito flagrante que contamina essa PEC. Isso tem de ser questionado no STF. A oposição não vai fazer isso, porque votou covardemente aprovando a PEC.
O Lula vai questionar? Claro que não. Mas tem um agente político que tem de agir que é o Ministério Público. Aí, quem vai decidir é o STF. Os ministros podem decidir que o Congresso tem o direito de declarar emergência e que, se declarou, realmente não vale a lei eleitoral. Tudo bem, deixa o STF dizer isso. Mas alguém tem de provocar. O procurador tem a obrigação de agir. Vamos ver. Quem sabe ele não surpreende e faz alguma coisa."
"O ideal seria questionar antes das eleições. É possível pedir liminar para que essa conduta seja cessada imediatamente. Pode ser depois. Aí vai dizer que houve prática de conduta vedada para querer a cassação do registro ou do diploma se ele for reeleito. Vai ter de provar que ele foi beneficiário, é muito mais difícil, mas é possível fazer depois também. É uma conduta vedada, e uma conduta vedada, se praticada, leva à cassação do registro ou do diploma."
"Vamos dizer que demore para um ministro do STF decidir. Aquilo que for feito nesse período, o presidente pode dizer que fez de boa-fé. Quando praticou o ato, a emenda estava em vigor, só foi suspensa depois. Não agiu dolosamente para burlar a lei. Vai ter essa justificativa. De qualquer forma, não dá para negar que foi uma movimentação maliciosa, para burlar a lei, mas inteligente, porque você tem a questão da emergência prevista na lei e a PEC, que está acima da lei. É um passo que gera dúvida, gera discussão."
"Agora, qualquer governante de plantão vai dizer, olha tem uma emergência porque teve enchente ou seca não sei onde, vamos criar uma exceção à lei eleitoral. É um precedente perigoso. A gente está com o Estado democrático de Direito prejudicado. Por que a lei traz essas condutas vedadas? Elas são de 2006 [ano da reeleição do ex-presidente Lula]. A lei é de 1997, mas a alteração do dispositivo é de 2006. O Congresso fez isso para evitar o casuísmo, que o governante de plantão possa se auto beneficiar. Eu abro os cofres públicos. Provoco um rombo fiscal tremendo, mas me reelejo. É isso que a lei quer evitar."
"Os juízes não são eleitos. Juiz tem de ter compromisso com a Constituição. Vão cair de pau no Supremo, pedir impeachment dos ministros. Tenho certeza. Só que eles não estão lá para serem populares, mas para decidirem de acordo com a Constituição e a lei."
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