Na tentativa de aliviar o gasto do Estado com aposentadoria, o governo estadual transferiu 1.324 aposentados e pensionistas de um fundo com prejuízo bilionário para um outro que tem obtido lucros no mercado financeiro. Esses inativos deveriam ser sustentados por recursos do Tesouro estadual, porém, têm sido mantidos por uma poupança formada por quase 20 mil servidores.
Os benefícios são pagos, segundo relatórios do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado (IPAJM), com o dinheiro que sobra, que não seria usado para garantir os benefícios dos verdadeiros segurados. O problema é que esse colchão está bancando gente que nem chegou a fazer recolhimentos quando estava na ativa e que está atrelado a um outro regime de aposentadoria.
Chamada de compra de vidas, a operação, apesar de ter aval da Secretaria da Previdência do Ministério da Economia, pode colocar em xeque o futuro de um sistema criado para acabar com os aportes que todos os anos precisam ser feitos para cobrir os gastos com aposentadorias, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Os recursos para o pagamento têm saído das contas do fundo previdenciário, que neste ano apresentou saldo positivo de R$ 3,6 bilhões, sendo quase R$ 1 bi a mais do que o necessário para pagar as futuras aposentadorias. Ele foi criado para receber todos os servidores efetivos contratados pelos órgãos estaduais a partir de abril de 2004.
O sistema tem uma particularidade em relação a outros regimes. Nesse caso, os servidores assegurados contribuem para as próprias aposentadorias.
A ideia é semelhante ao regime de capitalização proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para todos os brasileiros. A diferença é que o plano previdenciário estadual é solidário. Todo o montante é aplicado coletivamente no mercado financeiro para garantir 100% do benefício. Já o projeto do governo Bolsonaro prevê carteiras individuais. O beneficiário recebe o que conseguir guardar.
ROMBO
A situação confortável do fundo previdenciário não é vista, contudo, no outro plano, o financeiro, que inclui quem ingressou no funcionalismo estadual antes de abril de 2004 e funciona pelo modelo de repartição: ativos pagam os inativos.
O mecanismo tem como beneficiários pessoas que entraram no serviço público antes de 1998, quando não havia pagamento à Previdência. Alguns se aposentaram sem fazer qualquer contribuição. Outros até chegaram a recolher, no entanto, por um pouco período antes de sair da ativa. Essas são as razões para o rombo ser de R$ 2,2 bilhões ao ano.
Para a manobra, o IPAJM se apoiou em uma portaria do governo federal de 2008. O texto autorizava os Estados que realizaram a segregação de massas a usar o superávit de um dos fundos para comprar vidas. Uma lei foi aprovada em 2016 pela Assembleia Legislativa para que a migração ocorresse.
A transferência não foi irregular. Só que ela não atendeu a cinco critérios estabelecidos pela Secretaria da Previdência. Uma das exigências era fazer análises atuariais a partir de cadastros atualizados dos servidores. O que não ocorreu, diz uma especialista em Previdência que preferiu não se identificar.
A migração, que ocorreu em 2017, foi autorizada pelo parecer técnico 177/2016, que estabelecia regras. As pessoas deveriam ter mais de 80 anos, o limite de segurados deveria ser de no máximo 1.438 pessoas e o gasto deveria atingir R$ 592,8 milhões em dez anos.
CONTAMINAÇÃO
Na opinião dela, o superávit exagerado do fundo previdenciário poderia ser controlado de uma outra forma. O governo poderia ter reduzido a alíquota patronal de 22% para esse fundo. Com essa economia poderia aplicar no aporte. Mas ele preferiu comer o superávit e acabou contaminando um fundo saudável.
Uma das preocupações da analista é sobre o risco que a operação pode trazer. Como a transação foi feita com cálculos desatualizados, de acordo com análise do Tribunal de Contas do Estado, podemos, inclusive, ter um déficit técnico. Mas só saberemos disso mais lá na frente, explica.
A rentabilidade do fundo previdenciário é outro ponto que a especialista avalia como arriscada. Não é possível garantir que a carteira sempre conquistará o rendimento planejado. Então, esse superávit de agora poderia compensar perdas que poderiam ocorrer no futuro.
O IPAJM foi procurado mas informou que não teria ontem uma fonte para falar sobre o assunto.
SAIBA MAIS
Fundo financeiro
É formado por efetivos que entraram no serviço público antes de 22 de abril de 2004. Esses funcionários integram um regime de repartição, ou seja, as contribuições dos ativos pagam os benefícios dos inativos e pensionistas. É deficitário e apresenta rombo de R$ 2,2 bilhões, que precisa ser coberto por aporte do governo estadual.
Fundo previdenciário
Funciona pelo sistema de capitalização. Quem ingressou no serviço público após a lei tem suas contribuições destinadas a aplicações e investimentos. É superavitário e apresenta cerca de R$ 3,6 bilhões aplicados no mercado financeiro, tendo quase R$ 1 bilhão de superávit técnico.
Compra de vidas
Em 2016, o Estado aprovou a Lei 836 para permitir a transferência de parte dos segurados do fundo financeiro para o plano previdenciário. No mesmo ano, a Secretaria Nacional de Previdência autorizou que 1.324 aposentados e pensionistas do fundo financeiro fossem comprados pelo fundo previdenciário.
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