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Previdência irregular veta repasse de verbas a municípios do ES

Previdência irregular veta repasse de verbas a municípios do ES

Sete cidades capixabas estão sem certificado de regularidade dos regimes próprios de servidores

Publicado em 17 de setembro de 2018 às 00:13

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Conceição da Barra é uma das sete cidades do ES sem certificado de regularidade. (Prefeitura de Conceição da Barra)

Em tempos de arrecadação minguada dada a crise econômica, alguns municípios capixabas estão tendo uma dificuldade extra para conseguir tirar investimentos do papel: irregularidades nos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que são os sistemas de aposentadoria dos servidores públicos. Com regras rígidas estipuladas em lei, o não cumprimento das normas faz com que o ente perca o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP).

Sem o documento, emitido pela Secretaria Nacional de Previdência, os municípios ficam impedidos de receberem recursos federais, como transferências voluntárias da União, celebrarem contratos e convênios, contrair empréstimos e financiamentos, e receberem pagamentos de compensação previdenciária do INSS.

No Espírito Santo, são sete municípios sem o CRP atualmente: Alegre, Pedro Canário, Conceição da Barra, Itapemirim, João Neiva, Guaçuí e Boa Esperança. Eles continuam recebendo repasses obrigatórios, como os destinados à educação e à saúde, mas não recebem verbas federais para realização de obras, por exemplo. Alguns deles já estão há cinco anos nessa situação.

Esse é o caso de Alegre e Pedro Canário, que desde 2013 estão sem o certificado. Apenas em Alegre, a prefeitura estima que deixou de receber nesse período cerca de R$ 15 milhões de emendas e editais. Já em Pedro Canário não há sequer um cálculo, já que pela limitação, o município não chega nem a pleitear recursos. Em Conceição da Barra, o CRP não é emitido desde 2014. Em Itapemirim e João Neiva ele perdeu a validade em 2017. Já em Guaçuí e Boa Esperança o CRP expirou neste ano.

A secretária de Controle Externo e especialista em Previdência do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES), Simone Velten, explica que o mecanismo punitivo foi criado em 2001 e possui várias exigências para a emissão. Assim, cada município tem um motivo diferente para estar irregular, podendo ser algo grave, como insolvência fiscal, ou o não envio de documentos.

“É visto se o regime tem uma lei que prevê as alíquotas de contribuição, se tem previsão de repasse integral das contribuições, se está havendo retenção das contribuições, se está pagando os débitos parcelados, se tem equilíbrio financeiro e atuarial, se dentro do instituto só tem servidor efetivo, entre outras exigências, e se ele encaminha os documentos para que tudo isso seja verificado”, exemplifica.

Apesar de terem irregularidades nos regimes, outros cinco municípios do Estado conseguiram obter o CRP com determinação judicial, o que é visto como uma maquiagem na situação previdenciária. São eles: Barra de São Francisco, Viana, Mimoso do Sul, Serra e Linhares. “A Justiça tem entendido que a penalidade é mais para a sociedade do que para o gestor”, diz Simone.

No geral, a especialista elenca os quatro grandes problemas dos regimes dos municípios capixabas. A falta de estrutura dos institutos, de mão de obra qualificada, de repasses regulares e de um plano de amortização.

Isso, para o diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Diego Cherulli, contribui para o desequilíbrio. “A falta de orientação e de assessoria jurídica com pessoas capacitadas afeta muito o planejamento e essa análise da situação.”

NOTAS

Além do CRP, outro mecanismo que ajuda a entender o estado dos regimes próprios é o Indicador de Situação Previdenciária (ISP), que também considera vários itens mas não tem caráter punitivo, estabelecendo um ranking com os municípios em pior situação.

As notas são dadas com base em três pilares: conformidade, equilíbrio e transparência. Como o equilíbrio tem mais peso, isso faz, por exemplo, que Pedro Canário, que não tem CRP, lidere o ranking, já que ele tem a melhor solvência fiscal do Estado apesar da baixa transparência. Tirando essa exceção, as piores notas são justamente dos municípios sem o documento ou dos que o conseguiram na Justiça.

“Institutos estão caminhando para o caos”

Simone Velten diz que, se providências não forem adotadas, situação será de colapso. (ASCOM TCES/Divulgação)

A situação dos regimes próprios de Previdência dos municípios capixabas, que já é delicada em muitos casos, se encaminha na próxima década para um cenário de colapso, sem recursos para pagar benefícios e podendo chegar à falência dos institutos. Esse é o alerta que faz a secretária de Controle Externo do Tribunal de Contas, Simone Velten. Sem equacionar o déficit, algumas cidades estão numa corrente contra o tempo, já que o pico de pagamentos de aposentadorias deve acontecer entre 5 e 15 anos.

“Tem um conjunto de fatores, como o plano de amortização desse déficit passado, que está sendo renegado já há algum tempo. Só que a conta tem um prazo de vencimento. Se não se toma as providências, a situação de insolvência se agrava a cada ano.”

Como nos próximos anos deve ocorrer um boom de aposentação, esses municípios devem passar a ter mais inativos do que servidores ativos e contribuintes, segundo a especialista. Esse quadro – em um cenário em que várias gestões não fizeram o dever de casa, quanto às dívidas e nem uma reserva financeira – deve levar à falência dos institutos.

“Os institutos estão caminhando para o caos, que é não ter dinheiro para pagar os aposentados. Tem institutos que daqui a cinco anos já vão estar nessa situação e que as prefeituras já fazem aportes gigantescos”, comenta Simone.

Chegando nesse nível há ainda outro grave risco, de acordo com o diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Diego Cherulli. O de interferência da União nos sistemas municipais para se garantir a solvência fiscal.

“Se o regime falir, o município tem que arcar com esse custo ou, se não conseguir, o Estado e a União. E a União se preocupa por ser devedora subsidiária. Se o regime for desequilibrado, a conta final vai ser dela. Por isso, ela pode intervir para cuidar das contas e garantir o equilíbrio, o que limita o Estado democrático de Direito e pode gerar aumento de alíquotas de contribuições”, afirma Cherulli.

A situação é tão grave que, segundo os analistas, uma reforma da Previdência como se propõe hoje não resolveria o problema, mas apenas garantiria uma sobrevida de no máximo cinco anos. “Mudando a idade mínima estica o prazo, mas se nada for feito a nível municipal, o caos após isso se dará da mesma forma”, alerta Simone Velten.

Prefeituras reconhecem dificuldades em regularizar sistemas

As prefeituras dos municípios que estão sem o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) admitiram dificuldades e culparam a má gestão de governos anteriores para esse quadro. Todas as administrações afirmaram trabalhar para resolver as pendências.

Em Pedro Canário, a prefeitura destacou que lidera o ranking de situação previdenciária (ISP), pelo “cumprimento integral das participações e parcelamentos”. A administração disse ainda que já notificou o instituto municipal, o IPASPEC, e contratou um especialista para buscar alternativas.

A Prefeitura de Alegre ressaltou que herdou uma dívida de cerca de R$ 17 milhões referente à alíquota que o município deveria ter repassado ao instituto municipal, o Ipasma, e que parcelou e está pagando o débito. “No entanto, além da dívida, existem diversas irregularidades administrativas que foram detectadas em uma auditoria. Estamos sanando todas essas irregularidades, estando no momento em fase conclusiva”, informou.

Em Conceição da Barra, o secretário de Planejamento e Finanças, Alex Moura, explicou que a dificuldade era a elaboração do plano de amortização do déficit, que já foi produzido e aprovado em lei e a documentação enviada para a Secretaria de Previdência. “Nos próximos dias devemos voltar a ter o CRP.”

O instituto de Previdência de Guaçuí, chamado FAPS, informou que “a dificuldade em renovar o CRP está na demora da análise pela Secretaria da Previdência dos dados enviados pelo município. Porém, até a presente data, o município não foi prejudicado quanto ao recebimento de recursos”.

Já em Itapemirim, a prefeitura informou que dos 35 requisitos a serem cumpridos para ter o CRP, apenas três estão pendentes, os quais foram herdados da gestão anterior e que “estão sendo solucionados”. O município ressaltou que tem o 7º melhor regime do Estado após implantação de mecanismos de controle e transparência.

A reportagem de A GAZETA não recebeu as respostas das prefeituras de Boa Esperança e João Neiva dentro do prazo estipulado.

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