A rápida recuperação das Bolsas de Valores após o tombo de março, em meio à crise do coronavírus, reacende o debate sobre a existência de uma bolha no mercado acionário.
Entre previsões catastróficas e reações debochadas sobre o tema, gestores mais experientes e tradicionais se contrapõem aos mais jovens ligados à Fintwit - comunidade cujo nome é formado pela junção de Fin (abreviatura de financeiro) e twit (de Twitter), alusão ao fato de atuarem no mercado financeiro e usarem o Twitter como principal plataforma de comunicação.
Nomes que raramente aparecem na rede, como Florian Bartunek, sócio-fundador e gestor da Constellation, e Guilherme Aché, da Squadra, sócio-fundador e gestor da Squadra, declararam enxergar potenciais bolhas infladas pelos estímulos recordes de bancos centrais e fuga dos investidores para a Bolsa em um cenário de juros próximos de zero.
Já os influenciadores digitais do mercado financeiro enxergam uma grande oportunidade de investimento.
"Quantos dias pro Ibov [Ibovespa] bolha bater 110 mil pontos?", tuitou Rafael Ferri na última quinta (6). Ferri é membro do Traders Club, uma plataforma paga para troca de informações sobre o mercado, e tem um dos perfis mais populares da Fintwit, com 119 mil seguidores. O Ibovespa chegou a 105 mil pontos na máxima recente.
Em maio, Henrique Bredda, gestor da Alaska, uma das maiores administradoras de investimento do Brasil, ironizou a possibilidade de bolha em seu Twitter, que conta com 173 mil seguidores.
"Ativo que caiu e você tinha: 'está de graça'; ativo que subiu e você não pegou: 'bolha'. Mercado concorda com você: 'mercado é soberano'. Mercado discorda de você: 'mercado está sempre errado'. 'Existem mil maneiras de preparar Neston, invente uma!'"
Com a discussão nas redes, o perfil humorístico Faria Lima Elevator entrou no tópico.
"Se tem bolha nas redes sociais por conta do Twitter eu não sei, mas que isso aqui se tornou papo de bar de sexta-feira sobre ações, se tornou!", ironizou sobre a teoria, defendida por Aché, de que a popularidade das recomendações de ações na rede social tenha impulsionado certos papéis.
Em janeiro, antes da pandemia de coronavírus abalar os mercados, a bolha já era pauta entre gestores. O Brasil vivia recordes: do Ibovespa, de CPFs na Bolsa e mínimas históricas da Selic. Como são poucas as empresas listadas no país, muitas tiveram altas expressivas com a procura pelo rendimento.
Mesmo com a crise econômica em decorrência do vírus, que pode gerar a pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial, segundo o Banco Mundial, as Bolsas se recuperam e empresas atingem valores recordes de mercado.
O fenômeno é mais expressivo na Bolsa de tecnologia Nasdaq, nos EUA, atualmente em sua máxima histórica com o bom desempenho de gigantes como Apple e Amazon. A valorização de 23% no ano levou a relação entre o preço das ações e lucro das empresas a um patamar mais elevado que no pico da bolha das pontocom, na virada do século.
"Temos uma doença terrível e a pior economia em 80 anos, então é difícil para mim acreditar que, baseado em fundamentos, é algo apropriado", disse Howard Marks, co-fundador e presidente da Oaktree, gestora com mais de US$ 100 bilhões em ativos, sobre a alta das Bolsas.
"O Nasdaq 100 [índice das 100 maiores empresas não financeiras da Nasdaq] me parece borbulhante. Se isso não é um sinal de escalada em um trampolim alto para especulação, eu não sei o que é", escreveu, em julho, o experiente gestor americano Ned Davis em carta aos seus clientes. Neste ano, o Nasdaq 100 sobe 28%.
Ray Dalio, fundador da Bridgewater Associates, maior administradora mundial de fundos de alto risco, avalia que a compra massiva de ativos pelos BCs dos EUA e Europa, bem como os estímulos monetários e fiscais, tiraram a liberdade do mercado.
"Hoje, a economia e os mercados são guiados pelos Bancos Centrais e pela coordenação com o governo central. O mercado de capitais não é um livre mercado que aloca recursos de maneira tradicional", disse em julho.
Em junho, Dalio alertou que os próximos dez anos poderiam ser "uma década perdida para ações" com o endividamento das empresas na crise do coronavírus limitando o seu lucro.
Segundo André Carvalho, estrategista de ações e chefe de análise de empresas do Bradesco BBI, se a recuperação das empresas for rápida, o Ibovespa está no caminho certo. "Se o lucro das empresas voltar ao patamar de 2019 em 2021, a Bolsa deve estar em 120 mil pontos ao fim do ano."
Ele avalia que não há uma bolha na Bolsa brasileira, que ainda acumula perdas no ano, tanto em reais (-11%), como em dólares (-34%).
"O risco de bolha depende da valorização dos ativos e, nesse aspecto, a Bolsa brasileira está barata. Juro baixo por muito tempo cria esse tipo de circunstância [valorização expressiva], com distorções de preço, e chamar atenção para esse risco é sempre saudável. É um risco a ser constantemente reavaliado."
Já Tiago Reis, analista-chefe e fundador da Suno Research, vê alguns ativos inflados por um "fluxo especulativo sem fundamento", como o varejo, que estaria "sendo precificado de forma extremamente otimista".
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta