Como parte da proposta de reforma tributária, que trata de mudanças no Imposto de Renda, o governo prevê medidas que reduzirão a arrecadação no futuro para aumentá-la em 2022, ano de eleição, como no caso da atualização no valor dos imóveis declarados pelo contribuinte.
Na última segunda-feira (12), a Receita apresentou um detalhamento dos impactos da proposta de mudanças no Imposto de Renda e nesta terça (13), o relator do texto, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), apresentou parecer preliminar aos líderes partidários.
Pelos cálculos da Receita, o benefício sobre a atualização de valor de imóveis adquiridos até 31 de dezembro de 2020 teria um impacto positivo de R$ 880 milhões no ano que vem.
Nos anos seguintes, no entanto, haveria uma renúncia fiscal de R$ 2,45 bilhões em 2023 e de R$ 2,03 bilhões em 2024.
Hoje, ao vender um imóvel, o contribuinte paga entre 15% e 22,5% de imposto sobre o ganho de capital que teve ante o valor que havia sido declarado à Receita. Com a mudança, seria permitido atualizar o valor dos imóveis mesmo sem a venda, com uma incidência de 4% sobre a diferença.
O imposto na hora da venda cai e a receita é antecipada aos cofres públicos, o que não foi alterado no parecer do relator na última terça.
"Os cálculos confirmam que essa mudança para os imóveis vai gerar a renúncia de receitas no futuro", alerta Breno Vasconcelos, sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos.
Se o governo reconhece que está trocando uma alíquota média de 15,2% por uma de 4%, por mais que isso gere uma receita nova em 2022, representa uma perda no longo prazo, que deveria ser informada, diz o tributarista.
"É como uma empresa que adquiriu 1 mil itens por R$ 100 cada, mas só conseguiu revender por R$ 50. Ela tem uma receita agora, mas contratou uma perda financeira", exemplifica Vasconcelos, que também é pesquisador da FGV (Fundação Getulio Vargas) e do Insper.
Questionada pela reportagem, a Receita confirmou por meio de sua assessoria que há uma previsão de renúncia de receitas de IRPF para bens imóveis em 2023 e 2024. Também foi ajustada a previsão do impacto para a medida da atualização dos imóveis para a alíquota de 4% em substituição ao cálculo feito anteriormente a 5%.
"Essa renúncia é representada pela diferença entre a arrecadação inicialmente projetada antes da medida e a que efetivamente deverá ocorrer, em razão da antecipação do ganho de capital com a atualização tributada a 4%", diz o órgão.
Ainda segundo a Receita, a atualização nos valores deverá ocorrer somente no ano que vem. "Em 2023, volta a regra geral, muito embora os efeitos sejam verificados também em 2023 e 2024."
"Alguns chamariam isso de pedalada", diz o pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) Bráulio Borges. Ele lembra que em meados da década de 1990, os bancos estaduais estavam quebrados justamente por fazer antecipações. "Lembra um pouco aquilo, tirar do futuro para impulsionar o presente."
Em abril, o Senado havia aprovado um projeto de lei que permite a mudança no valor de imóveis e outros bens no Imposto de Renda, por meio de uma taxa de 3% na operação. A base do governo pediu, na época, que a taxa fosse de ao menos 4%. O projeto ainda precisa passar pela Câmara.
Borges avalia, no entanto, que antecipar receita para o ano que vem deve gerar ganhos limitados para o governo em ano eleitoral. "Por causa do teto de gastos, a receita a mais não vai se transformar automaticamente em aumento de gastos. O governo pode dar uma desoneração, tirar uma tributação aqui ou ali."
Para Daniel Loria, que também é pesquisador do Insper, é difícil fazer com precisão a conta dos impactos da atualização do valor dos imóveis, por considerar o comportamento do contribuinte e uma série de reduções na base de cálculos.
"O ganho de capital para PF tem uma série de regras, e a sugestão de antecipar o IR é como uma aposta, um combinado que o contribuinte faz com o governo."
Outro ponto da proposta é a previsão de arrecadação de R$ 14,47 bilhões no ano que vem com adiantamento da tributação em estoque de fundos de investimentos fechados, mas zerando em 2023 e 2024. Esse ponto também não foi alterado pelo relator.
O Fisco estimou que uma parte do aumento não irá se manter, com a perda de estoques dos fundos por causa da tributação.
Há também um ponto de grande debate entre os especialistas: um argumento político usado pelo governo durante a proposição da reforma era que o valor do novo Bolsa Família seria atrelado à taxação dos lucros e dividendos.
A vinculação seria uma forma de acelerar a tramitação da reforma, que enfrenta resistência entre parte do empresariado, do mercado financeiro e dos parlamentares.
"Não faz muito sentido, imaginando-se que o Bolsa Família precisa caber no teto de gastos. O governo deve reavaliar outras despesas e não usar isso na discussão de carga tributária", diz Borges, do Ibre-FGV.
Vasconcelos também lembra que a proposta deixa explicitado que haveria um efeito neutro na arrecadação. Ele avalia que, embora o reajuste de benefícios do Bolsa Família seja uma medida nobre, vincular o aumento da tributação das despesas ao programa iria contra a proposta.
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