A volta de recursos estrangeiros para o Brasil, após a saída massiva de investimentos entre março e abril, foi proporcionalmente menor que a de pares estrangeiros em razão da política ambiental brasileira, aponta Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.
"O que começou a ficar mais aparente é essa percepção em relação a tudo que é uma agenda de sustentabilidade, hoje tão disseminada em outros países. Essa percepção, às vezes pela narrativa ou às vezes pelo que tem acontecido [no Brasil], estava fazendo com que os fluxos para o Brasil não estivessem voltando na mesma proporção que eles voltavam em alguns países emergentes. De fato existe essa preocupação [ambiental dos investidores]", disse Campos Neto em entrevista à CNN Brasil na noite desta terça-feira (13).
Em junho, um grupo de 29 investidores globais assinou carta aberta ao Brasil, expressando preocupação sobre a política ambiental no país e sobre os direitos humanos. Juntos, eles têm US$ 3,7 trilhões (R$ 20,6 trilhões) em ativos administrados ao redor do mundo.
Segundo previsões do Institute of International Finance (IIF), que reúne 450 bancos e fundos de investimento em 70 países, o saldo entre aplicações e retiradas de não residentes no Brasil ficará negativo em US$ 24 bilhões (R$ 134 bilhões) neste ano. Em 2019, as saídas somaram US$ 11,1 bilhões (R$ 62 bilhões).
"O Banco Central não é formulador desse tipo de política, mas alertamos e mostramos o caminho. Conversamos com investidores e fazemos o link entre investidores e o governo para que possamos alinhar uma narrativa que seja construtiva para frente", completou Campos Neto.
Na Bolsa brasileira, são R$ 88,6 bilhões a menos de dinheiro estrangeiro neste ano, valor recorde e quase o dobro de 2019, quando saíram R$ 44,5 bilhões.
"O tema que mais aflige hoje o investidor é o fiscal. Precisamos mostrar que o Brasil pode fazer tudo o que precisa dentro de uma trajetória fiscal sustentável. O que as pessoas querem enxergar do governo é, uma vez passada a pandemia, 'qual o seu plano de reformas?'", disse Campos Neto.
O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) já sinalizou que as reformas administrativa e tributária devem ficar para 2021. Já a PEC Emergencial e a PEC do Pacto Federativo, que inclui o Renda Cidadã, substituto inflado do Bolsa Família, podem ser apresentadas após as eleições municipais.
"Investidores entendem que há um processo eleitoral. O importante não é o tempo [das medidas de ajuste fiscal], e sim a incerteza que gera em cima do fato mais importante: como vai ser nossa convergência fiscal daqui para frente", afirmou.
"Tivemos um ano atípico, com um gasto extraordinário perfeitamente justificável, mas, como o Brasil já vinha de uma fragilidade fiscal maior, nos colocou em uma situação de dívida muito elevada comparada à média do mundo emergente e precisamos endereçar isso agora com uma solução de médio prazo para mostrar que vamos voltar à convergência fiscal".
Em setembro, mês marcado pelas discussões em torno do financiamento do Renda Cidadã, que poderia extrapolar o teto de gastos com o uso de recursos do Fundeb (fundo para a educação)e de precatórios (dívidas do governo cobradas pela Justiça), a Bolsa brasileira acumulou queda de 4,8% e o dólar, alta de 2,6%, e os juros futuros saltaram. "Recentemente, ficou mais importante o peso das variáveis fiscais porque o Brasil já tem uma fragilidade fiscal grande, então qualquer solução que passe para o investidor que estamos mudando o regime fiscal, ou que vamos demorar muito mais tempo para atingir uma convergência fiscal vai refletir nos mercado, na credibilidade do país e na vontade dos investidores aplicarem aqui", disse Campos Neto.
O presidente do BC disse que a situação fiscal explica a desvalorização do real, moeda emergente que mais perde valor ante o dólar neste ano. O dólar sobe 39% em 2020, a R$ 5,58.
O presidente do BC também afirmou que a moeda brasileira foi pressionada pela Selic na mínima histórica de 2% ao ano, o que afastou o investimento estrangeiro da renda fixa brasileira, levando a uma saída de dólares do país.
Segundo Campos Neto, a taxa básica de juros irá subir apenas em caso de risco na meta para a inflação, atualmente em 4%. Nos últimos 12 meses, há uma inflação de 3,14% com uma alta no preço dos alimentos nos últimos meses.
De acordo com o ele, a alta nos preços é temporária e decorrente de uma influência da alta do dólar nos combustíveis, do auxílio emergencial e do efeito substituição na cesta dos produtos, com um maior gasto em alimentação a domicílio e menos em lazer devido à pandemia de Covid-19.
Recentemente, ele disse que o BC retiraria a sinalização de estabilidade para o juros em caso de mudança nas condições fiscais. "Isso não quer dizer que vamos subir os juros, e sim que esse instrumento está condicionado a algo que não pode existir no futuro [estabilidade fiscal]".
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