O anúncio do encerramento das linhas de produção na Ford não chegou a ser uma surpresa para quem trabalhava na fábrica de Taubaté, no interior de São Paulo. Trabalhadores sabiam que a fábrica enfrentava dificuldades, evidenciadas pelos sucessivos cortes e PDVs (planos de demissão voluntária).
Na sexta-feira (8), colegas comentavam da possibilidade de haver um lay-off (tipo de afastamento remunerado de até quatro meses), conta Cosmerita Santos Costa, 45. Aquele foi o último dia em que ela trabalhou na linha de transmissões da fábrica, que também produz motores.
"Quando um amigo me ligou, pensei que fosse o lay-off, mas era bem pior", afirma. Ela diz ter pensado na filha quando que as operações seriam encerradas. "Tenho plano de saúde e escola particular. Acho que a escola vou ter que cortar".
No setor em que trabalhava, medindo e testando câmbios, 2.000 peças chegaram a ser produzidas por dia. Nos últimos meses, não passavam de 700. Há pouco mais de dois anos, a fábrica da Ford em Taubaté tinha 1.300 funcionários. Hoje, os 830 restantes se preparam para a despedida.
"Para quem tinha o sonho de trabalhar aqui é complicado, né? Do dia para noite acaba tudo", conta Jorcilene da Silva Moreira, 38.
Assim como Cosmerita e Jorcilene, a maioria dos metalúrgicos da Ford em Taubaté não estava na fábrica quando a direção comunicou a decisão de deixar de produzir veículos no Brasil. A segunda-feira era "LR", sigla para licença-remunerada, depois prorrogada até quarta-feira (13).
O clima entre funcionários um dia após o anúncio era o de ter havido traição, principalmente porque um acordo assinado no ano passado previa estabilidade no emprego até 31 de dezembro deste ano.
Na crise, sindicato e empresa firmaram um acordo coletivo congelando promoções e PLRs (Participação nos Lucros e Resultados), e um PDV. "Abrimos mão de direitos para que essa fábrica continuasse aqui", diz o dirigente sindical Sidivaldo Borges.
Não foram estipuladas indenizações para demissões realizadas antes disso.
"Fechamos que não haveria demissão", diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté, Claudio Batista, o Claudião.
Líder de processo na linha de motores, Mario Rodolfo Santana já ia para 11 anos de Ford. "A gente não esperava que fosse feito assim. É uma trairagem sem tamanho", diz. Para ele, o fechamento da fábrica marca o fim de uma era de bons empregos e bons salários.
A produção na fábrica de Taubaté ainda será retomada neste ano, segundo a empresa, apenas para garantir disponibilidade dos estoques de pós-venda.
"Não dá para anunciar um fechamento desse e enterrar a história. Sabemos que retomar [a produção] não é possível, mas queremos a certeza de um pacote de demissão que permita a gente se manter, cuidar da família", diz Leandro Monteiro, 38, operador de máquinas e há 17 anos funcionário da Ford.
Viúvo e pai de três filhas, Monteiro passou a noite no portão de caminhões da fábrica durante o primeiro turno de uma vigília organizada pelo sindicato da categoria.
Em assembleia, os trabalhadores definiram uma agenda de mobilização que inclui vigílias, uma plenária virtual e um novo protesto, na quarta (13), em frente à Câmara de Vereadores de Taubaté.
Também ficou definida a articulação de reuniões com representantes do poder público. Dirigentes do sindicato foram convidados para reuniões com a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patricia Ellen, e outros nomes da gestão João Doria (PSDB) que integram uma força-tarefa criada pelo governador para mitigar os efeitos das demissões.
As vigílias nas duas portarias do parque industrial buscam, segundo o presidente do sindicato, Claudio Batista, o Claudião, impedir que a empresa retire peças prontas ou comece a desocupar o prédio antes de discutir o assunto com os trabalhadores.
A Ford afirmou, em nota, que o plano de demissão ainda será negociado com o sindicato.
"A empresa irá trabalhar imediatamente em estreita colaboração com os sindicatos e outros parceiros no desenvolvimento de um plano justo e equilibrado para minimizar os impactos do encerramento da produção."
A montadora disse ainda que não especula sobre projetos futuros.
O prefeito de Taubaté, José Saud (MDB), no cargo há uma semana, está na capital paulista para a discussão do plano articulado pelo governo do estado.
"Temos que pensar primeiro nos funcionários da fábrica e toda ajuda é bem-vinda. Temos que buscar alternativas. E se nada der certo, vou bater no Planalto e pedir ajuda do presidente Bolsonaro", disse Saud à Folha.
O presidente da Associação Comercial e Industrial de Taubaté, Ricardo Vilhena, diz que a notícia é muito ruim para o município. A solução, na avaliação dele, é buscar novo destino para a fábrica. "Temos de tentar contornar com indústrias de tecnologia ou de base tecnológica."
O anúncio do fim da produção taubateana já preocupa o comércio da cidade.
"É um momento muito preocupante. Primeiro porque ainda estamos em uma pandemia. E agora um grupo muito grande de pessoas que deixa de ter renda, que começa a fazer cortes no orçamento", afirma o empresário Felipe Bom Meihy.
Seu restaurante na região central da cidade só chegou aos 50% de faturamento, na comparação com o período pré-pandemia, há apenas dois meses.
"Há ainda toda uma cadeia que acaba sendo movimentada. É incalculável o impacto dos próximos meses", disse.
Funcionários da fábrica da Ford em Camaçari (BA) também se mobilizaram na manhã desta terça (12) contra o anúncio de encerramento das atividades da montadora no Brasil.
De acordo com a montadora, na cidade, onde são produzidos os modelos Ka e EcoSport, o encerramento das atividades será imediato.
Os funcionários começaram a se reunir por volta das 6h, na garagem da fábrica, e de lá marcharam até o centro da cidade. Dirigentes sindicais discursaram em repúdio à decisão anunciada nesta segunda-feira (11).
Os trabalhadores estavam uniformizados e usavam máscaras devido à pandemia do novo coronavírus.
Segundo a Fieb (Federação das Indústrias da Bahia), há no município 7.216 funcionários trabalhando na Ford e em sistemistas (empresas que fornecem para a produção).
O sindicato dos trabalhadores diz que , considerando indiretos, 60 mil trabalhadores podem ser afetados e que a prioridade agora é agilizar o pagamento de indenização para todos os funcionários afetados pela decisão.
A empresa afirma que cerca de 5.000 trabalhadores serão demitidos no Brasil e na Argentina, sem detalhar.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta