Em assembleia realizada nesta terça (24), os sócios decidiram dissolver o consórcio que gere o DPVAT, o seguro obrigatório para proprietários de veículos no país. Com a decisão, a Seguradora Líder não oferecerá mais o seguro a partir de 2021.
Ainda não há definição sobre como ficará a venda do seguro, que o governo Jair Bolsonaro tentou extinguir em 2019. A reportagem apurou que a Superintendência de Seguros Privados (Susep) estuda um modelo temporário de gestão para manter o serviços até que o Congresso avalie mudanças.
Até o momento, a ideia é zerar o valor das apólices por um prazo de dois anos para consumir as reservas excedentes da Seguradora Líder. A gestão seria feita em parceria com um ente federal, sem prejuízo ao pagamento dos sinistros de apólices já contratadas.
A dissolução do consórcio ocorre em meio a denúncias de mau uso do dinheiro público e de fraudes para aumentar o lucro dos associados. Na semana passada, a Susep pediu à Líder a ressarcimento de R$ 2,2 bilhões que teriam sido gastos de forma irregular nos últimos anos.
A empresa é alvo também de ação do Ministério Público Federal, que pede a devolução aos cofres públicos de R$ 4,4 bilhões da reserva técnica para o pagamento dos sinistros, que excedem o valor necessário para que a Líder cumpra suas obrigações.
Segundo a Procuradoria, esse valor teria sido arrecadado por meio de fraudes contábeis para inflar o valor do seguro e aumentar os ganhos dos sócios, que é proporcional à arrecadação com a venda das apólices.
A reportagem apurou que dois terços dos associados votaram pela dissolução do consórcio, entre elas empresas que já haviam anunciado sua saída do grupo, em uma debandada inédita que incluiu as maiores seguradoras com atuação no país e subsidiárias dos bancos Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
Na assembleia, foi proposto que a Líder mantenha operações apenas para administrar os passivos restantes, isto é, gerenciar o pagamento de eventuais sinistros e os processos judiciais referentes a apólices vendidas até o fim de 2020, ideia que não agrada o governo.
A Susep já demonstrou preferência por um modelo de livre concorrência, em que qualquer seguradora poderia vender as apólices. Mas a mudança tem que passar pelo Congresso. Enquanto isso não ocorre, quer retirar da Líder também a atribuição de continuar gerindo os passivos.
A proposta de zerar o valor da apólice resolveria uma divergência com a Seguradora Líder, que diz entender que as reservas excedentes são recursos privados e não devem ser devolvidos ao governo, contrariando entendimento do Ministério Público Federal.
Sem arrecadação, a tendência é que esses recursos sejam consumidos com o pagamento das indenizações por acidentes de trânsito nos próximos anos.
O consórcio foi criado em 2006 para gerir o seguro obrigatório em um modelo monopolista. No fim de 2019, antes da debandada, tinha 56 empresas. Dessas, 44 eram acionistas da Líder, a companhia responsável pela administração, na prática, do DPVAT.
O seguro DPVAT foi tema de uma série de reportagens da Folha de S.Paulo que mostraram denúncias de mau uso do dinheiro arrecadado - com a compra, por exemplo, de veículos e garrafas de vinho - e de conflitos de interesse e favorecimento de sindicatos de corretores.
As primeiras denúncias foram feitas em relatório da consultoria KPMG, contratada pela própria Líder para averiguar suas contas após a deflagração da Operação Tempo de Despertar, que investigou um suposto esquema para a concessão de sinistros fraudulentos.
Em relatório de investigação sobre a empresa publicado na semana passada, a Susep identificou 2.119 transações suspeitas, entre elas doações sob influência política, contratação de consultoria com interesse próprio da Líder, pagamento de participações nos lucros, convênios e patrocínios sem evidência de prestação de serviços.
Procurada pela reportagem, a Susep disse que não foi notificada oficialmente e não comentará o assunto. A Líder ainda não respondeu ao pedido de entrevista.
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