O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria (seis votos), na tarde desta quinta-feira (12), para que um comerciante responda criminalmente quando deixar de pagar o ICMS que declarou à Fazenda estadual.
A discussão é se o não pagamento do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) é mera inadimplência ou se é crime como o de apropriação indébita, uma vez que o comerciante recebeu do consumidor o valor, que estava embutido no preço da mercadoria, e não o repassou ao estado.
A situação em debate é diferente da sonegação, quando o empresário omite das autoridades o valor que deve ser pago. O que se discute são os casos em que os comerciantes informam o ICMS devido, mas não pagam no prazo.
Na quarta (11), quando o julgamento começou, o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela possibilidade de criminalização, considerando a análise caso a caso. Para ele, o juiz deve diferenciar se o empresário é um devedor contumaz ou se não pagou no prazo por estar enfrentando alguma dificuldade financeira.
Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam Barroso.
Gilmar Mendes abriu a divergência, afirmando que o não pagamento é mero inadimplemento, e não crime. Ricardo Lewandowski seguiu Gilmar. Faltam os votos dos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli.
A discussão chegou ao Supremo a partir de um caso de dois empresários de Santa Catarina. Eles declararam operações de venda ao fisco mas deixaram de pagar o ICMS devido. Foram denunciados pelo Ministério Público estadual sob acusação de crime previsto na lei que define os crimes contra a ordem tributária (lei nº 8.137/1990).
O crime é o de deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
O juiz de primeiro grau absolveu os empresários por considerar que o fato não se enquadrava nessa lei. O Ministério Público recorreu, e o Tribunal de Justiça catarinense os condenou.
A Defensoria Pública pediu habeas corpus ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que rejeitou o pedido e considerou que o não pagamento configurou crime. A defensoria recorreu, então, ao Supremo contra a decisão do STJ.
A decisão do Supremo vale apenas para o caso concreto, mas é uma sinalização da corte para as instâncias inferiores. Hoje, segundo Barroso, cada Tribunal de Justiça entende de uma maneira. Em Santa Catarina, por exemplo, o não pagamento do ICMS declarado é considerado crime, enquanto no Rio Grande do Sul, não.
Ainda segundo o ministro, a acusação criminal causará transtornos ao empresário que não pagar o ICMS declarado, mas não levará para a cadeia porque as penas previstas são baixas.
É praticamente impossível que alguém seja efetivamente preso por esse crime. A pena é bem baixa, de seis meses a dois anos. Em razão disso são cabíveis transação penal e suspensão condicional do processo, e, em caso de condenação, substituição [da prisão] por penas privativas de direito, disse Barroso.
O cidadão comum paga mais caro [pela mercadoria] para que o comerciante recolha esse tributo para a Fazenda estadual. Tenho dificuldade para entender que argumento legitimaria que o comerciante, que acresceu esse valor ao preço, pudesse não recolhê-lo ao Fisco. Os comerciantes são meros depositários desse ingresso de caixa que deve ser recolhido aos cofres públicos, afirmou.
Moraes usou o mesmo argumento. Aquele que recolhe esses valores [ICMS] tem a posse temporária. Não se transformou de dinheiro público, vindo de imposto, em patrimônio particular. No momento em que ele [comerciante] se apropriou, ele se apropriou indevidamente, disse.
Fachin afirmou que deixar de pagar ao estado o ICMS declarado não denota apenas e tão somente inadimplemento, mas, sim, disposição de recursos de terceiros, aproximando-se de uma espécie de apropriação tributária.
Para Cármen Lúcia, o valor do ICMS que o comerciante recebe ao vender uma mercadoria apenas transita pela conta dele, sem se incorporar ao seu patrimônio. Assim, o recolhimento ao fisco estadual é uma obrigação insuperável.
Gilmar, diferentemente, considerou que, para haver crime, é preciso haver fraude, como acontece nos casos de sonegação. A intervenção criminal só se justifica na medida em que houver fraude pelo agente. Na falta de tal elemento, resta cristalino o vilipêndio da criminalização do mero inadimplemento.
Várias entidades ingressaram no processo como amicus curiae (amigas da corte, em latim). O advogado Pierpaolo Bottini, que falou pela FecomercioSP e pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), pediu ao STF que reconheça a diferença entre o empresário que sonega daquele que declara o imposto, mas não o paga no prazo.
A inadimplência só ganha relevância penal quando ela é acompanhada da fraude, da sonegação. A mera inadimplência, quando é declarada, é um problema civil, é um problema tributário [e não penal], defendeu.
Bottini destacou que a legislação brasileira não permite a prisão por não pagamento de dívida.
Do outro lado, a advogada Luciana Marques Vieira da Silva Oliveira, que representou todos os estados, disse que deixar de criminalizar a conduta gera perdas para os estados, que consequentemente deixam de prestar serviços relevantes para a população.
Sem considerar crime, disse Oliveira, a única maneira de o estado cobrar o imposto devido será por meio das execuções fiscais, mas os empresários encontram meios para escapar delas, como colocando o patrimônio das firmas em nome de laranjas.
Quem é que declara [o imposto], não paga e deixa patrimônio disponível para as execuções fiscais?, indagou.
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