Um único brasileiro declarou no ano passado ter recebido a quantia de R$ 1,3 bilhão em lucros e dividendos livre de impostos, de acordo com dados públicos divulgados pela Receita Federal. Esse contribuinte faz parte de um grupo de 3 mil milionários que, segundo as próprias declarações, possuem uma renda de R$ 150 bilhões anuais, dos quais R$ 93 bilhões são isentos de tributação na pessoa física.
Na pirâmide social-tributária do Brasil, de acordo com os dados da Receita, quanto mais rica for a pessoa, maior será a parcela da renda que permanece isenta. Enquanto 99% dos contribuintes têm isenção média de 25%, no topo dessa pirâmide 60% da renda não é tributada, apontam simulações feitas pelo economista Sergio Gobetti, a pedido do Estadão, sobre o impacto da volta da tributação de lucros e dividendos prevista na proposta de reforma do Imposto de Renda enviada ao Congresso. No caso específico do exemplo que começa esta reportagem, a isenção chegou a 95% da renda.
Hoje, os lucros e dividendos recebidos por acionistas de empresas são isentos no Brasil. A proposta do governo é cobrar uma alíquota de 20%. Haveria uma única exceção: quem ganha até R$ 20 mil de pequenas e médias empresas.
O projeto foi mal recebido por empresas, que pressionam por mudanças. A principal alegação é que as empresas já pagariam um IR elevado que incide sobre o lucro distribuído aos acionistas e que, com a nova proposta, a carga tributária chegaria a 43% (somando o imposto cobrado na pessoa física e na jurídica). A Receita diz que é incorreto somar o que já é cobrado das empresas com os 20% na distribuição dos dividendos.
Segundo Gobetti, mesmo quando se considera o valor médio de impostos sobre lucros recolhidos ao nível das empresas, em torno de 24%, a carga tributária média efetiva sobre a renda dos "super-ricos" chega a 20%, bem abaixo do que ocorre em países desenvolvidos, onde a alíquota média é o dobro.
Vários estudos recentes mostram, porém, que é inadequado considerar que todos os impostos recolhidos ao nível da empresa incidam efetivamente sobre a renda dos sócios. Em muitos casos, o custo do IRPJ é transferido para os consumidores ou para os trabalhadores das empresas.
"Por isso, os estudos internacionais têm recomendado reduzir os impostos incidentes sobre o lucro das empresas e aumentar a tributação ao nível das pessoas físicas, de modo progressivo, pesando mais a mão sobre a renda dos mais ricos", diz Gobetti. Segundo ele, essa é a visão dominante no mundo de hoje, inclusive nos organismos internacionais, como FMI e OCDE.
Para o tributarista Eduardo Fleury, sócio do escritório FCR Law, a proposta de tributação dos dividendos foi muito pesada. "Na verdade, deveríamos ter reduzido bem mais a alíquota do imposto das empresas para compensar parcialmente a taxação sobre os dividendos", afirma. Ele defende a isenção quando a distribuição é feita de empresa para empresa e também para remessas ao exterior. "Será que o governo vai usar o aumento da arrecadação para distribuir renda ou em gastos correntes?", questiona.
Especialista no tema, a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Débora Freire chama atenção para o fato de que o sistema tributário brasileiro é muito regressivo (quem ganha menos paga, proporcionalmente, mais), dada a elevada participação de tributos indiretos, isto é, sobre consumo, na carga tributária. Ela lembra que, com isenções e deduções (como gastos com saúde e educação), o topo da pirâmide acaba pagando menos imposto do que a maioria dos contribuintes. A isenção maior se dá pela não taxação dos lucros e dividendos. Desde 1996, esses ganhos não são taxados na pessoa física. "Essa é uma distorção que precisamos corrigir para que o nosso sistema fique um pouco mais justo."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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