As acusações de assédio sexual que recaem sobre Pedro Guimarães, agora ex-presidente da Caixa, não ficarão limitadas às denúncias levadas ao Ministério Público Federal (MPF) por funcionárias do banco estatal. Outras instâncias se mobilizam para aprofundar as investigações.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal abriu procedimento para analisar as acusações. Com base nas denúncias trazidas pelo site Metrópoles na terça-feira, o MPT abriu um procedimento classificado como "notícia de fato" que pode resultar em um inquérito civil.
Pedro Guimarães e a Caixa foram oficialmente notificados pelo MPT ontem para que se manifestem sobre as acusações em 10 dias corridos. O MPT solicitou ainda que o banco apresente "a relação de denúncias eventualmente apresentadas" contra o executivo e contra o vice-presidente de Atacado na Caixa, Celso Leonardo Barbosa, desde que eles assumiram os cargos.
Já o Tribunal de Contas da União (TCU) anunciou que fará uma auditoria no sistema interno de denúncias e de combate a assédio da Caixa. A decisão foi tomada pela presidente do TCU, ministra Ana Arraes. Nos depoimentos, as mulheres foram claras em dizer que não denunciaram antes as situações por medo de serem perseguidas pela gestão do banco. Afirmaram ainda não confiar nos canais de denúncias - a Caixa possui um setor específico, a corregedoria, que tem entre as atribuições a apuração de casos do tipo.
"Nesse contexto, tendo em vista as recentes notícias veiculadas na imprensa, sobre denúncias de assédio no âmbito da Caixa Econômica Federal, que envolvem o presidente da instituição, considero pertinente que este tribunal realize ação de controle para avaliar o grau de maturidade dos instrumentos e das práticas de que esse banco público dispõe para prevenir e punir casos de assédio", afirma Ana Arraes.
A ministra afirmou que órgãos de fiscalização superior, como o TCU, "não só podem, como devem efetivamente atuar para a construção de um sistema eficaz de prevenção e combate ao assédio" nos órgãos e entidades públicas, como vem ocorrendo em outros países.
Conforme a reportagem do Metrópoles, uma das funcionárias afirmou ter conhecimento do caso de uma colega que comunicou uma situação de assédio, mas logo depois sua "denúncia" chegou às mãos de funcionários do gabinete de Guimarães. "A gente tinha muito receio, porque em qualquer lugar em que vá essa denúncia ele pode ter um infiltrado. E isso afeta o resto do meu encarreiramento, no aspecto profissional. Então, era melhor esperar passar", disse. "Noventa por cento das mulheres não vão falar porque ele tem poder."
Guimarães já era alvo de um processo por assédio moral coletivo movido pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo. O caso faz referência ao evento dos dias 14 e 15 de dezembro passado, em Atibaia (SP), quando Pedro Guimarães ordenou que os funcionários fizessem flexões no chão como se fossem soldados.
Os episódios incluem, segundo os relatos das mulheres, toques íntimos sem consentimento, propostas inadequadas às funcionárias e outras condutas inapropriadas.
O assédio no ambiente de trabalho precisa ser "mais bem enfrentado no âmbito da administração pública, uma vez que, além dos efeitos danosos à vítima, ainda ocasiona prejuízos à instituição e à sociedade".
"Entidades de fiscalização superior, como o Tribunal de Contas da União, não só podem como devem efetivamente atuar para a construção de um sistema eficaz de prevenção e combate ao assédio nos órgãos e entidades públicas, como vem ocorrendo em outros países", afirmou Arraes em nota.
A fiscalização do TCU deve mirar no levantamento de toda a política de prevenção e combate ao assédio sexual dentro da Caixa, examinando canais de denúncia, políticas de preservação do sigilo do denunciante, se há salvaguarda a quem faz uma denúncia e as regras de acompanhamento desses temas.
Em 2020, a corte de contas iniciou uma auditoria operacional para elaborar uma radiografia do tema na administração pública federal. O processo foi relatado pelo ministro Walton Alencar.
Em sua auditoria, o TCU citou números encontrados pela CGU (Controladoria-Geral da União) em estudos sobre as punições ao assédio sexual na administração pública em 2020.
Foram examinados apenas 49 processos disciplinares, instaurados para apuração de situações de assédio sexual, no período de 1º de janeiro de 2015 a 31 de outubro de 2019. Cerca de 19 (38,78%) resultaram na aplicação de algum tipo de penalidade disciplinar. Em 100% dos casos analisados, o assediador era do sexo masculino. Entre as vítimas, 96,5% eram mulheres.
"A pequena quantidade de processos disciplinares e os poucos desfechos, em que houve aplicação de sanção, revela total descompasso com a realidade retratada em pesquisas efetuadas sobre o tema", afirmou o TCU.
Um dos resultados foi a formulação de um modelo de prevenção e combate ao assédio, que deve servir de referência para futuras auditorias. O trabalho, porém, focou na recomendação das melhores práticas, sem tratar individualmente de eventuais falhas nos mecanismos já existentes dos órgãos públicos.
"Esse episódio recente, que merece ser investigado e, se confirmado, punido com todo rigor, é apenas um sintoma grave de um problema muito maior, que é a ausência de políticas eficazes de prevenção e combate ao assédio nas organizações públicas. E, se formos tratar a situação apenas com olhar punitivo, isso não resolverá o futuro, apenas o passado", disse Arraes.
No relato das funcionárias da Caixa surgiram acusações de que a corregedoria do banco não tratou as denúncias com o devido sigilo. Segundo o portal Metrópoles, uma das denunciantes disse que seu caso, após informado à corregedoria, chegou às mãos de auxiliares do gabinete de Guimarães.
Uma funcionária da Caixa disse em depoimento ao jornal Folha de S.Paulo que também foi assediada por Guimarães, presidente da instituição. Ela afirma ter sido puxada pelo pescoço e ter ficado em choque após o episódio. A mulher pediu para ter sua identidade preservada por receio de sofrer retaliação do comando do banco.
Interlocutores no Palácio do Planalto dizem que a manutenção de Pedro Guimarães à frente da Caixa Econômica Federal se tornou insustentável em meio às denúncias envolvendo o executivo.
Para estancar a crise envolvendo o comando do banco público, o presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu escolher uma mulher para substituir Guimarães: a secretária Daniella Marques, braço direito do ministro Paulo Guedes (Economia).
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