Nas últimas semanas, os treasuries não saíram do noticiário. Foram os vilões por trás da escalada do dólar, que foi a R$ 5,16 na sexta (6), e dos juros futuros brasileiros. Mas, afinal, o que são esses tais treasuries?
Treasuries são títulos do Tesouro dos Estados Unidos, considerados o investimento mais seguro do mundo. Eles se assemelham aos títulos públicos brasileiros: seu preço e remuneração também variam diariamente, acompanhando os movimentos do mercado financeiro. Recentemente, porém, essa variação saiu do habitual e causou alarde no mercado financeiro.
No último mês, a rentabilidade desses títulos (yield, em inglês) disparou rapidamente. O papel com vencimento em 10 anos saiu de uma taxa de 4,18% no início de setembro para atuais 4,78%. O de 30 anos foi de 4,29% a 4,95%. Durante o pregão da última sexta (6), as taxas chegaram a bater 4,89% e 5,05%, respectivamente, ambas as maiores desde 2007, antes da crise financeira que assolou a economia mundial.
Os títulos mais curtos também se aproximam da rentabilidade registrada há mais de 16 anos. O treasusy de dois anos está a 5,08%, perto do seu recorde de 5,16%, em 2006.
"Não lembro de ter visto uma alta de juros por tanto tempo na curva longa", diz Daniel Miraglia, economista-chefe da Integral Group -curva longa é a variação nas taxas dos títulos com os maiores prazos.
O movimento reflete a perspectiva de que o Fed (Banco Central dos EUA) mantenha os juros americanos em um patamar elevado por mais tempo, dado que a maior economia do mundo está se provando mais resiliente que o esperado, o que tende a impulsionar a inflação.
Na sexta, o relatório payroll do governo americano apontou que o país gerou 336 mil novas vagas de emprego fora do setor agrícola em setembro, a maior contratação desde janeiro. O dado é quase o dobro do previsto pelo mercado (170 mil) e 48% maior do que o registrado em agosto, cujo resultado de 227 mil foi ajustado para cima, de 187 mil informados anteriormente. Em média, o salário subiu 3,4% no mês passado, o que pode gerar um pico inflacionário.
Agora, parte do mercado passou a apostar em uma alta de 0,25 ponto percentual nos Fed funds, a taxa básica de juro americano, para o intervalo de 5,50% a 5,75% em dezembro. A maioria, porém, ainda prevê uma manutenção do atual patamar até junho do ano que vem, quando os Fed funds começariam a baixar.
Desde março de 2022, o Fed vem promovendo aumentos na sua Selic. Nesse intervalo os juros foram da faixa de 0 a 0,25% para 5,25% a 5,50%, atualmente. Este é o maior nível das taxas desde 2001. Mas a inflação americana ainda está fora da meta de 2% do Fed. Em agosto, ela registrou alta de 3,7% nos últimos 12 meses.
Juros altos encarecem não só o retorno dos treasuries, mas o custo de vida como um todo. As hipotecas, que desencarrilharam a crise de 2008, por exemplo, estão acendendo alertas. A média do juro dos financiamentos de 30 anos subiu para 7,53% ao fim de setembro, o maior nível desde 2000, segundo a associação do setor.
Porém, não é só a perspectiva de Fed funds mais altos que pressiona os juros americanos. Quando a taxa básica estava perto de zero, o governo dos EUA aproveitou o custo baixo para emitir mais títulos de dívida e se financiar. Agora, essas dívidas encareceram e um déficit fiscal de 123% do PIB não ajuda.
"Se o governo parar de emitir bonds e o Fed voltar a comprar esses títulos, a curva de juro fecha", diz Miraglia.
O problema é que os EUA correm risco de uma paralisação nos serviços públicos por falta de dinheiro e, se o Fed comprá-los, estará, na prática, colocando mais liquidez na economia, o que tende a gerar mais inflação.
A complexidade do contexto é o que tem gerado a aversão a risco no mercado global. Na semana passada, o Ibovespa caiu 2,06%, o dólar subiu 2,68%.
Os nossos juros futuros também acompanharam o movimento dos pares americanos. A taxa para janeiro de 2025 foi de 10,58% no começo de setembro para 10,95% na sexta, e a para janeiro de 2030 subiu de 10,94% para 11,71% no mesmo intervalo. Isso fez com que o título prefixado do Tesouro brasileiro com vencimento em 2026 fosse de 10,26% para 10,90% no período. A remuneração do prefixado para 2029, por sua vez, foi de 10,90% para 11,67%.
"Tenho dificuldade em ver como os recentes movimentos dos yields não aumentariam o risco de um desastre em algum segmento do sistema financeiro, dado o fim relativamente abrupto nos últimos trimestres de quase uma década e meia em que as autoridades fizeram de tudo para controlar os yields", disse Jim Reid, estrategista do Deutsche Bank, em entrevista à Bloomberg.
E tudo isso foi antes do estouro de um grande conflito entre Israel e Gaza, que pode encarecer o petróleo e impulsionar a inflação global. Recentemente, a matéria-prima estava em tendência de baixa. No último mês, o preço do barril do Brent (referência internacional) caiu de US$ 96 para US$ 84 com a falta de mais cortes de produção da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados).
COMO A ALTA NO JUROS DOS TREASURIES AFETA OS SEUS INVESTIMENTOS
Segundo analistas, o atual cenário favorece investimentos de segurança, como o dólar, o ouro e os treasuries, em detrimento de produtos mais arriscados, como moedas emergentes e ativos de renda variável.
A alta rentabilidade dos títulos americanos elevou o fluxo de investimentos para os EUA. E, com mais dólares saindo do que entrando no Brasil, o real se desvaloriza em relação à moeda americana, o que pode impulsionar a inflação doméstica.
Neste cenário, o Banco Central brasileiro não terá muito espaço para cortar a Selic mais do que o previsto. Pelo contrário, pode cortar até menos. Assim, a renda fixa brasileira vai continuar a ser a melhor aposta para o momento, dizem especialistas.
Mas, se a carteira já estiver bastante diversificada, com uma boa reserva de emergência e investimento para garantir a aposentadoria, o momento é propício para explorar a renda fixa americana, afirma Liao Yu Chieh, educador financeiro e diretor da Faculdade Sírio-Libanês.
"Investimentos no exterior são importantes ferramentas para um investidor em algumas situações, mas não é para todo mundo e a qualquer momento", diz o especialista.
O jeito mais fácil de brasileiros aproveitarem esse momento único da renda fixa americana é via BDRs (Brazilian Depositary Receipts) de ETFs (Exchange Traded Funds).
BDRs são recibos negociados na Bolsa de Valores que correspondem a ativos listados no exterior. Já os ETFs são fundos listados em Bolsa que replicam a performance, e as oscilações diárias, de um determinado índice. Ou seja, é como comprar um fundo estrangeiro da mesma forma que se adquire ações na B3.
Atualmente, a Bolsa brasileira conta com 41 BDRs de ETFs de renda fixa. Dentre eles, há os que refletem o desempenho dos títulos públicos pós-fixados dos EUA (os FRNs), os indexados à inflação (os TIPS) e os prefixados, que são os que roubam a cena atualmente.
É possível escolher entre ETFs de treasuries com maturidade de meses ou de até 30 anos. De acordo com especialistas, os mais longos apresentam muita volatilidade e não estão tão atrativos quanto os de curto prazo. A taxa de juros dos que vencem mais rápido ronda os 6%, enquanto a dos que levam décadas para vencer está perto dos 5%. Isso fora a variação do dólar, que pode turbinar ou minar os ganhos.
Outra opção é investir diretamente dos EUA, abrindo uma conta em uma corretora de lá. Assim, será possível acessar ETFs e fundos de investimentos dedicados aos treasuries.
Agora, para comprar os títulos na fonte, é preciso ter o social security number, o CPF dos EUA. Nesse caso, o investidor consegue entrar no TreasuryDirect, o Tesouro Direto de lá, e comprar o título de sua preferência.
Assim como os títulos do Tesouro Nacional brasileiro, é possível fazer um resgate antecipado, mas isso pode gerar um prejuízo. Os treasuries são semelhantes aos nossos títulos prefixados com juros semestrais, também conhecidos como NTN-F. Ao fazer o resgate antes do vencimento, o investidor deve vendê-los no mercado e estará sujeito ao preço estipulado naquele momento.
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