Sob impacto da pandemia do coronavírus, a União registrou um patrimônio líquido negativo de R$ 4,4 trilhões no encerramento de 2020.
O valor é recorde e representa um aumento de 49,1% no rombo em relação ao ano anterior, quando ficou em R$ 3 trilhões.
O dado, publicado pelo Tesouro Nacional nesta quinta-feira (10), foi impulsionado pelos gastos emergenciais do governo para enfrentamento da crise sanitária, além da atualização de cálculos sobre gastos futuros com militares e possíveis perdas com inadimplência de estados e municípios.
O patrimônio líquido da União representa a diferença entre os ativos e direitos do país (como dinheiro em caixa, receitas a receber, participação em estatais e imóveis) menos as contas que precisa pagar (como dívidas, aposentadorias e passivos decorrentes de decisões da Justiça).
Esse indicador está no campo negativo desde 2015 e vem piorando ano a ano, mas agora registrou uma deterioração em ritmo abrupto.
O subsecretário de Contabilidade Pública do Tesouro Nacional, Heriberto Vilela do Nascimento, diz ser normal que governos tenham patrimônio líquido negativo.
No Brasil, porém, o rombo é considerado alto em comparação com outros países e em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).
"É mais um indicador de que a gente tem uma situação de finanças públicas que precisa ser mais bem administrada e revertida. Essa reversão se dá na perspectiva fiscal, o país voltar a ter superávit primário, reequilibrar suas contas", disse.
O objetivo, no entanto, não é visto pela equipe econômica para concretização no curto prazo.
Estimativa de abril do Ministério da Economia aponta que o governo seguirá com as contas no vermelho ao menos até 2024, totalizando 11 anos seguidos de resultado primário negativo.
Em 2020, o governo registrou um aumento de R$ 772,6 bilhões em passivos relacionados a empréstimos e financiamentos. Essa conta foi impulsionada pelas operações destinadas a cobrir gastos emergenciais na pandemia.
Essa foi a maior ampliação nas obrigações da União no ano. Em destaque nessa conta está a despesa com o auxílio emergencial, que custou R$ 293 bilhões em 2020, seguida do socorro a estados e municípios (R$ 78 bilhões) e repasses destinados a garantir programas de crédito (R$ 58 bilhões).
Entre os maiores impactos sobre o balanço da União está a mudança na contabilização de gastos com militares.
Após alinhamento a padrões internacionais, houve o reconhecimento de um passivo de R$ 405,8 bilhões referente a benefícios de inativos das Forças Armadas. Há ainda um aumento de R$ 158,2 bilhões no passivo relacionado a pensões militares.
Além disso, nova metodologia de cálculo para as perdas prováveis de créditos a receber de estados e municípios gerou um impacto de R$ 343,3 bilhões. O subsecretário afirma que, apesar do aumento, não necessariamente haverá perda para a União nesse montante.
Nova estimativa também foi feita em relação às possíveis perdas em empréstimos feitos pelos governos regionais e garantidos pela União, aumentando o passivo em R$ 60 bilhões.
Entre os maiores gastos do governo, a despesa com pessoal registrou uma queda nominal pela primeira vez desde 2009. Após anos de aumentos consecutivos, essa conta caiu de R$ 286,4 bilhões em 2019 para R$ 285,3 bilhões no ano passado.
O movimento é resultado de ações adotadas pela equipe econômica, como a redução na taxa de reposição de servidores públicos que se aposentam e o congelamento salarial do funcionalismo.
Nessa área, a equipe econômica tenta aprovar no Congresso a reforma administrativa, que reduz salários de entrada no serviço público, aprimora mecanismos de progressão e elimina a estabilidade para a maior parte dos cargos.
Em relação à Previdência, a projeção do déficit para 2022 do Regime Geral (voltado à iniciativa privada) é de 3,5% do PIB e poderá chegar a 8,67% em 2060. Antes da reforma da Previdência, a estimativa era de rombo de 11,64% para o mesmo ano.
"A reforma da Previdência amenizou, mas não conteve o crescimento do déficit previdenciário projetado", afirma o relatório.
Entre os passivos do governo, o Tesouro destaca o aumento expressivo do estoque da dívida pública no ano passado. O montante saltou de R$ 4,2 trilhões em 2019 para R$ 5 trilhões.
"A União teve de se endividar para manter suas atividades operacionais", diz o relatório.
Após um ano marcado pela aversão ao risco por parte dos investidores, com elevação das taxas de remuneração dos títulos públicos e encurtamento do prazo médio da dívida, o Tesouro revisou neste ano seu plano de financiamento, privilegiando papéis mais longos.
Para manter a rolagem da dívida, o governo vem contando com a antecipação de recursos de bancos públicos e requisitou repasse de lucro do Banco Central. Também aprovou no Congresso a desvinculação de recursos de fundos públicos para ajudar na gestão da dívida. Esse plano deve continuar a ser adotado.
"Entendemos que a estratégia de financiamento para o ano garante a manutenção do caixa [do Tesouro] em níveis confortáveis ao longo do segundo semestre, os quais já são suficientes para cobertura inclusive dos vencimentos a ocorrer nos primeiros meses de 2022", diz o órgão.
Em relação à dívida ativa da União e outros créditos tributários, que reúnem valores que o governo tem a receber de pessoas e empresas, o estoque em 2020 ficou em R$ 4,4 trilhões. No entanto, a expectativa de recuperação é baixa, de R$ 713 bilhões, cerca de 16% do total.
Outra preocupação está ligada aos processos judiciais. Os valores pagos de precatórios -dívidas do governo reconhecidas pela Justiça- cresceram 22% no ano passado. Em relação a 2016, a alta foi de 66%.
Do lado dos ativos, os imóveis da União somaram um montante de R$ 1,5 trilhão. Desse total, cerca de R$ 400 bilhões são de bens sem finalidade específica que, em tese, poderiam ser vendidos.
O restante dos bens são usados para a prestação de serviços públicos, como hospitais e escolas, ou têm uso comum da população, como as rodovias.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta