BRASÍLIA - O Voa Brasil, programa com a promessa de tornar viagens de avião mais acessíveis a parte da população e que deve ser lançado em breve pelo governo, não garante passagens mais baratas e vai apenas reunir bilhetes que já custam até R$ 200.
A iniciativa não contará com subsídios federais e, por isso, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tem como assegurar uma redução nos preços já praticados pelas companhias — que continuarão tendo liberdade comercial para definirem suas tarifas.
Eventuais descontos e promoções dependerão da vontade das empresas, que já ofertam passagens na faixa de valor prevista para o programa.
Dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) mostram que, entre janeiro e novembro de 2023, 14,9% dos assentos foram comercializados por até R$ 200.
O percentual considera uma amostra de 26,4 milhões de assentos vendidos a preços normais no período. A Anac não inclui na análise da tarifária alguns tipos de bilhetes, como promocionais ou com desconto.
Essa foi a configuração possível para um programa que completa quase um ano sem sair do papel.
Anunciado pela primeira vez em março de 2023, o Voa Brasil teve o lançamento adiado por sucessivas vezes diante das dificuldades de apresentar uma resposta à reclamação de consumidores de alta nos preços das passagens.
Sem a possibilidade de injetar dinheiro para garantir uma redução nas tarifas, o governo busca negociar com as companhias aéreas ao menos uma meta de 4 a 5 milhões de bilhetes aéreos de até R$ 200 por meio do programa Voa Brasil. Cada uma (Gol, Latam e Azul) teria um objetivo individual.
Seria uma espécie de compromisso de que essas passagens estarão ao alcance do público almejado, que são cerca de 21 milhões de brasileiros entre aposentados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que ganham até dois salários mínimos (o equivalente a R$ 2.824) e estudantes do ProUni. Entre eles, o governo quer dar prioridade para os que não viajaram nos últimos 12 meses.
A plataforma do Voa Brasil funcionaria como uma agregadora do estoque de passagens aéreas disponíveis a menos de R$ 200. O usuário, então, poderia verificar se há alguma opção que lhe atenda e efetuar a compra. A ideia é estipular um limite de duas passagens por pessoa.
Na ideia do governo, as metas de vendas teriam de ser alcançadas pelas companhias ao longo de 2024.
Para isso, o governo quer colocar um contador no site do Voa Brasil, atualizado conforme o número de bilhetes comercializados por até R$ 200. Seria uma forma de monitorar o cumprimento dos objetivos do programa.
Procuradas pela reportagem, as três companhias não responderam diretamente sobre a eventual pactuação de uma meta de venda de bilhetes aéreos de até R$ 200.
A Latam disse ter "compromisso com a democratização do transporte aéreo" e afirmou que participa das discussões do programa Voa Brasil "para viabilizar a sua implementação".
A Azul limitou-se a afirmar que está participando do grupo de trabalho e "colaborando com o desenvolvimento do projeto".
A Gol disse que todos os detalhes, inclusive "as particulares envolvendo a Gol", serão divulgadas pelo governo no lançamento do programa, em data ainda a ser definida.
A empresa, que está em recuperação judicial nos Estados Unidos, ressaltou ainda que já vem adotando algumas ações promocionais, focadas em viagens compradas na mesma semana do voo ou com maior antecedência.
"Com essas medidas implementadas, a companhia estima que ao longo de 2024 sejam vendidas cerca de 15 milhões de passagens por até R$ 699", afirmou a Gol, em nota.
A plataforma do Voa Brasil está sendo elaborada pelo Executivo, e as empresas devem alimentá-la com sua base de dados dos voos disponíveis dentro da faixa de preços estipulada.
Em 2023, o fluxo de passageiros no modal aéreo foi de 112,6 milhões, mas muitos são viajantes frequentes. O número de pessoas que viaja de avião por ano é menor, cerca de 25 milhões.
O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, disse à reportagem que o programa deve ser lançado em breve. "O programa já foi apresentado ao presidente Lula, validado por ele e pela Casa Civil. Estamos esperando agenda [do presidente] para fazer o anúncio", afirmou.
Ele reforçou ainda que o Voa Brasil não contará com qualquer tipo de subsídio ou financiamento do governo federal. "É uma construção do ministério com as companhias aéreas", disse.
A ideia de lançar o programa foi citada pela primeira vez em março de 2023 pelo então ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, antecessor de Costa Filho no cargo. O intuito era popularizar o acesso ao modal aéreo.
Na época, a proposta foi atribuída como um pedido de Lula e previa um público mais amplo, assim como um número maior de bilhetes.
Dias depois da divulgação, no entanto, Lula repreendeu ministros que divulgam "genialidades" sem consultar o Planalto. Em reunião ministerial, o presidente cobrou duramente os titulares das pastas para que não anunciassem políticas públicas que não tivessem sido apresentadas e recebido o aval da Casa Civil.
Na ocasião, Lula não citou os nomes dos ministros cobrados, mas a fala foi percebida como um recado a França.
Em setembro, França foi deslocado para a pasta do Empreendedorismo, em uma mudança adotada para abrir espaço a aliados do centrão no primeiro escalão do governo. As discussões do Voa Brasil continuaram com o ministério sob o comando de Costa Filho.
Nos bastidores, o governo via a ideia do programa como uma forma de melhorar a imagem sobre o setor aéreo em um contexto de alta nos preços das passagens — o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) detectou um aumento de 47,24% em 2023.
A impossibilidade de contar com subsídios, porém, sempre foi um limitador. Por outro lado, o primeiro anúncio gerou expectativas no público do programa, emparedando governo e aéreas a tirar algo do papel.
Já as companhias, que embarcaram nas discussões após a primeira fala pública sobre o tema, reclamam dos custos elevados com insumos (como querosene de aviação) e com a judicialização por parte de clientes de diferentes questões.
As empresas vêm pedindo ajuda do governo para enfrentar as dificuldades financeiras, agravadas pela pandemia de Covid-19.
O governo tem discutido um pacote de socorro que inclui a flexibilização de condições para negociar dívidas tributárias e regulatórias com a União e uma linha de crédito no BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), que teria o respaldo de um fundo garantidor em caso de inadimplência, mas os detalhes ainda não foram fechados.
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