Aposentadoria compulsória de juízes só é punição para o contribuinte

Não há justificativa plausível para que, afastado por atos comprovadamente ilícitos, um juiz continue vendo o dinheiro cair em sua conta, todo mês. Diretamente dos cofres públicos

Publicado em 20/08/2021 às 02h03
Atualizado em 25/08/2021 às 15h41
Tribunal de Justiça do Espírito Santo
Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Crédito: Fernando Madeira

Brasil dos encastelados é ainda mais Brasil quando um juiz é punido por comportamento ímprobo, não condizente com a toga. Enquanto a aposentadoria, para a maioria dos assalariados, é um sonho conquistado com cada vez mais anos de trabalho e contribuição, para um magistrado é a condenação máxima na esfera administrativa, prevista pela  Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Ao pé da letra, é uma punição para o contribuinte que abastece os cofres públicos, não para o juiz.

No início deste mês, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu aposentar compulsoriamente o juiz  Marcos Horácio Miranda, titular da 9ª Vara Cível de Vitória. O Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que foi aberto para apurar nomeações de peritos judiciais por parte do magistrado, confirmou que ele escolheu pessoas próximas para a função, remunerada com honorários. Um cunhado do juiz e o pai e o marido de uma assessora (os dois últimos também eram seus sócios) estavam entre os escalados para o cargo.

Para a maioria dos desembargadores do TJES, a prática configurou imoralidade e falta de impessoalidade, com favorecimento de interesses particulares. A defesa do juiz argumentou, no julgamento, que não houve irregularidade na escolha dos peritos, sendo apenas pessoas da confiança do magistrado. 

Recentemente, o caso de suspeita de venda de sentenças envolvendo dois juízes do Fórum da Serra teve muita repercussão, com o afastamento das funções e posterior prisão preventiva dos suspeitos.

Episódios que atingem o Judiciário causam comoção justamente por envolver aqueles que deveriam ser guardiões da justiça, mas se apequenam diante de vantagens indevidas. O mau comportamento de magistrados só não macula a Justiça quando há transparência nesses processos, e isso precisa ser protocolar. A regra, não a exceção.

Mesmo que a maior parte das irregularidades cometidas por magistrados no exercício da função,  entre as quais têm relevo a venda de sentenças, seja no âmbito administrativo, não criminal, a punição com aposentadoria compulsória deve ser revista com seriedade. Um juiz pode perder o cargo, desde que em sentença judicial (e não em processo administrativo) transitada em julgado. E a própria Loman prevê a demissão de magistrados, mas a decisão é rara: reportagem do jornal Gazeta do Povo de 2018 mostrou que, de 2008 até aquele ano, cinco juízes tinham sido destituídos por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

É um privilégio até mesmo dentro do serviço público, notoriamente dividido por castas. Não há justificativa plausível para que, afastado por atos comprovadamente ilícitos, um juiz continue vendo o dinheiro cair em sua conta, todo mês. Um acinte em um país com 14 milhões de desempregados.

Reforma da Previdência em 2019 retirou da Constituição a possibilidade de aposentadoria compulsória como punição a juízes, mas a nova regra só pode ser aplicada com a alteração da Loman. É frustrante ver que há um projeto de lei complementar na Câmara dos Deputados para mudar a regra desde dezembro de 2020. Em junho passado, a Mesa Diretora devolveu a proposição por inconstitucionalidade, sugerindo o reencaminhamento na forma de Proposta de Emenda Constitucional. Trocando em miúdos, deve demorar um bom tempo para que haja qualquer avanço.

Juízes não podem estar imunes à lei que eles mesmos aplicam; é saudável para a democracia que haja mais justiça nesses casos. Errou, paga-se. A aposentadoria compulsória como punição seria um motivo justo de chacota no Brasil, se não fosse antes de tudo uma piada muito sem graça.

Correção

25 de agosto de 2021 às 15:41

Versão anterior deste editorial trazia a informação errada de que o juiz afastado com a aposentadoria havia nomeado seu próprio pai.  O correto é que ele nomeou o pai da assessora. O texto foi corrigido.  Posteriormente, foi também incluída a informação de que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) prevê a demissão de juízes, embora a prática seja rara no país.

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