As circunstâncias do assassinato de Luana Demonier, 25 anos, na noite de terça-feira (09), causam uma angústia indescritível, daquelas que reforçam a urgência de ações mais eficientes no combate à violência contra a mulher. Constatar que a jovem, sob constante ameaça de seu ex-namorado, já tinha solicitado as providências cabíveis de proteção e que a polícia não se omitiu no último ato, mas tampouco conseguiu evitar o pior, provoca uma indignação sem tamanho. É mais uma morte violenta que poderia ter sido evitada se esse algoz, já denunciado por outras mulheres há tanto tempo, tivesse sido tirado de circulação na hora certa.
O enredo de mais essa tragédia é digno de um thriller agoniante, infelizmente real demais para tantas mulheres. No dia do crime, Rodrigo Pires Rosa embarcou no mesmo ônibus que a ex-namorada para intimidá-la, ignorando a medida protetiva que o impedia de se aproximar da jovem, com quem teve uma filha que veio a falecer aos 5 meses de idade.
Ainda na terça-feira, ela recebeu uma ameaça de morte pelo celular. A polícia foi avisada e enviou uma viatura para a porta da casa de Luana, no bairro Vila Capixaba, em Cariacica. Quando Luana voltava do trabalho, contudo, ele a interceptou no caminho, desferindo 19 facadas em seu corpo no meio da rua.
A revolta acaba sendo o único refúgio quando se toma ciência dos inúmeros alertas que endossavam a periculosidade de Rodrigo. Mulheres diferentes vivendo o mesmo drama, com o mesmo homem. Somente a prisão dele poderia garantir a segurança de Luana e das demais, que também já o haviam denunciado. Rodrigo é alvo de investigações da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Cariacica desde 2015 e responde a oito inquéritos policiais por crimes relacionados a violência doméstica.
Em novembro passado, ele já havia sido protagonista de uma tentativa de agressão a uma outra mulher, de 31 anos, reportada por este jornal. Na ocasião, Rodrigo a perseguiu com uma faca na mão, e a vítima só conseguiu escapar por ter entrado na casa de vizinhos, que conseguiram desarmá-lo. A mulher, contudo, não chegou a fazer um boletim de ocorrência. Imagens de câmeras de segurança conseguiram flagrar a ação.
O assassinato de Luana, no meio da rua, também foi registrado em imagens. Os dois caminhavam e conversavam, quando Rodrigo sacou a faca e partiu para cima da vítima. A delegada titular da Delegacia de Homicídio e Proteção à Mulher, Rafaella Aguiar, afirmou que as investigações apontam para um crime premeditado. Rodrigo se entregou à polícia nesta quarta-feira (10) e confessou o crime. Ele foi autuado por homicídio duplamente qualificado: por impossibilidade de defesa da vítima e feminicídio.
A morte de Luana expõe a fragilidade que ainda marca as ações para proteger mulheres sob ameaça. Medidas protetivas, um importante instrumento de intimidação a atos violentos, acabam sendo na prática um pedaço de papel sem validade para homens que enxergam as mulheres como sua propriedade. Rodrigo já tinha dois mandados de prisão em aberto justamente pelo descumprimento de medidas protetivas expedidas em nome de outras mulheres.
A liberdade desse homem era um perigo real que não encontrou respaldo na aplicação efetiva da lei. Em julho do ano passado, ele havia sido preso por crime de ameaça, mas permaneceu encarcerado por pouco mais de um mês. Em dezembro, foi alvo da Operação Maria's, mas não foi encontrado. Continuou livre.
Chega a ser exaustivo enumerar a trajetória de ameaças e coerção que pesam sobre Rodrigo. E casos como esse não são isolados, com mulheres que sofrem perseguição cada vez mais recorrendo à Justiça para tentarem se proteger da violência de antigos companheiros e, ainda assim, permanecendo vulneráveis.
É inegável que há uma rede de proteção jurídica e policial mais atuante do que tempos atrás, mas uma tragédia como a de Luana deixa a ferida exposta: de nada adianta legislação mais dura, como a Lei Maria da Penha e a própria lei do feminicídio, se na prática agressores que são potenciais assassinos continuam circulando livremente, mesmo denunciados por tantas mulheres. Rodrigo agora está preso, sabe-se lá até quando. Mas isso aconteceu tarde demais.
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