"A gente achou que era realmente um assalto. Fomos parados com um tiro, com gritarias e ameaças", descreveu a vendedora que, ao lado do companheiro e do sobrinho de 13 anos, foi abordada com violência por dois policiais civis na noite de sábado (3) no bairro Itapebussu, em Guarapari. Uma região onde há, segundo a própria Polícia Civil, "intenso tráfico de drogas". Com essa reputação, acreditar que se tratava de uma ação de bandidos acabou sendo o mais lógico.
Acontece que eram dois policiais à paisana, de folga e com sinais de embriaguez — o que foi confirmado pela própria Polícia Civil em nota divulgada no domingo (4): "Alteração psicomotora, como odor etílico e falas desconexas". Eles ameaçavam quem passava pela rua.
Visivelmente alterado, um deles fez um disparo contra o carro ocupado pela família, como mostram as imagens. Cenas lamentáveis demais, protagonizadas por agentes públicos que deveriam se impor em defesa da lei e da ordem, mas se colocaram na posição de arruaceiros, colocando vidas em risco. A autoridade deu lugar ao autoritarismo.
Nas imagens também figuravam duas pessoas feridas no asfalto. A Polícia Civil informou que os policiais estavam ali após receberem denúncia de elementos armados naquela região, conhecida como "Buraco Quente". Houve troca de tiros e os dois indivíduos, de 16 e 22 anos, foram detidos. "O adolescente foi atingido na perna direita e está hospitalizado. Foi apreendida uma bolsa, encontrada entre os suspeitos, contendo 67 pinos de cocaína, 55 pedras de crack e R$ 515,25 reais", relata a nota oficial da corporação. O suspeito de 22 anos confessou trabalhar para o tráfico, em depoimento posterior.
O caos provocado por dois agentes com estado alterado resultou na prisão do policial que efetuou o disparo. Já o parceiro dele inexplicavelmente não foi detido. A Corregedoria da Polícia Civil apreendeu as carteiras profissionais e as armas de ambos.
É evidente que as circunstâncias da abordagem violenta a cidadãos devem ser apuradas, mas a reação institucional da Polícia Civil e das autoridades de segurança pública e judiciais ao que foi registrado em vídeo poderia estar sendo mais dura. Nesta segunda-feira (5), a Justiça já havia concedido liberdade provisória sob fiança ao policial por ele não oferecer "risco à ordem econômica, à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, considerando que possui residência fixa e ocupação lícita". Ocupação que foi maculada na noite de sábado.
A Polícia Civil deve tratar esse caso com a devida transparência, para que a sociedade esteja a par do destino que será dado à carreira desses dois policiais. A apuração deve ser rigorosa, com direito à ampla defesa para que o caso seja esclarecido. Policiais civis são fundamentais na investigação criminal, têm um papel institucional que deve ser louvado e valorizado, mas a conduta de cada membro deve ser ilibada. Quando um cidadão se sente ameaçado dessa forma por quem carrega um distintivo, é sinal de que os papéis de mocinho e bandido não estão claros como deveriam.
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