"A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade."
Em "Dos Delitos e das Penas", em pleno século 18, o marquês de Beccaria, considerado o pai do Direito penal moderno, tratou com precisão nessa sentença o valor da efetividade da lei. Há no debate público muitos que defendem que a aplicação de penas mais severas funcione como freio para a violência, e isso não deve ser uma proposta desprezada de antemão. O que, de forma mais ampla, Beccaria elabora parte do básico: a punição, seja qual for à letra da lei, precisa ser para valer, inevitável para quem comete um crime. Do contrário, as leis não passam de rédeas frouxas.
No Brasil, houve uma queda no número de homicídios solucionados, de acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz, o que coloca a legislação penal em uma posição coadjuvante, simplesmente pelo fato de nem chegar a ser aplicada.
É a impunidade palpável: foram 41.635 vítimas de assassinato no Brasil em 2019, ano cujos dados foram compilados pelo instituto. Apenas 15.305 tiveram o autor apontado por órgãos policiais e judiciais no período de ao menos um ano. Um índice de 37% de crimes esclarecidos, uma redução em relação a 2018, quando 44% das mortes violentas foram elucidadas.
No Espírito Santo, esse índice foi melhor que o nacional em 2019, quando 49% dos homicídios geraram denúncia à Justiça até final de 2020, mesmo percentual do levantamento anterior. Pela metodologia usada pelo Instituto Sou da Paz, é considerado um assassinato esclarecido aquele que tenha resultado em ação penal até o fim do ano seguinte, quando a investigação identificou um suspeito que foi levado à Justiça. Entre os 18 Estados analisados, o Espírito Santo ficou entre os seis que mais solucionam assassinatos.
Elucidação é prevenção, porque é a justiça sendo feita, é a lei sendo eficiente. Neste ano, o Espírito Santo tem testemunhado queda no número de homicídios. No primeiro semestre, foram registrados 466 mortes violentas ante as 548 do mesmo período do ano passado, uma redução de 15%. O direcionamento de esforços e investimentos em investigação é primordial para que a lei seja imposta a quem atentar contra a vida do outro.
O Brasil tem uma população carcerária de 670 mil presos, sendo 10% deles por homicídios. Os dados apontam também 40% estão presos por crimes contra o patrimônio e 29% por crimes relacionados a drogas.
O sistema investigativo brasileiro precisa se modernizar, diante do crescimento no número de inquéritos policiais e da demora no seu processamento. Há a necessidade de um padrão investigativo, com menos subjetividade e mais ciência. A média mundial de elucidação de assassinatos é de 63%, e o Brasil precisa perseguir uma efetividade mais alta. Pode não ser fácil, em um país com tantos assassinatos. Mas é a única chance de começar a deixar para trás a impunidade, com a efetividade da lei.
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