Ao lado do presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, discursou para a população: "Estou muito feliz por estar furando teto? Não. Eu detesto furar teto. Uma porção de ministros pede para furar o teto". O "teto" em questão é o teto de gastos, emenda constitucional aprovada em 2016 pelo Congresso Nacional que limita o crescimento dos gastos públicos federais à inflação registrada no ano anterior.
Embora com um certo constrangimento, chama a atenção como o ministro da Economia, que é (ou deveria ser) o maior responsável por manter as despesas públicas dentro das receitas, assume que a Constituição está sendo rasgada: "Eu detesto furar teto". Não é uma questão de detestar, ministro, é uma questão de estar atropelando a lei, que, aliás, nem precisaria existir, afinal, gastar apenas o que se tem é regra básica em qualquer orçamento familiar que se preze, ainda mais em se tratando de contas públicas.
O que já era ruim, piorou. Na sequência, a Câmara dos Deputados, sob o comando de Arthur Lira, hoje o homem que manda no país, deu o primeiro passo para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, também conhecida como PEC do Calote. O projeto, em uma só tacada, autoriza a ruptura do teto de gastos e legaliza o atraso no pagamento, por parte do governo, de dívidas judiciais (os precatórios) que já tiveram o pagamento decidido em última instância. Em resumo, mais um festival de leis atropeladas (além do regimento da Câmara Federal).
Tudo isso para abrir espaço fiscal para o pagamento do Auxílio Brasil, de R$ 400, a 17 milhões de pessoas. Uma boia de salvação para a candidatura à reeleição do presidente Bolsonaro, hoje em maus lençóis nas pesquisas de opinião. Populismo na veia. O fato é que a simples hipótese de furar o teto já provocou altas relevantes no dólar, inflação e juros. Ou seja, a mesma mão que dá aos pobres, via auxílio, tira, por meio da inflação. Isso sem contar que o PIB de 2022 deve voltar para o patamar negativo.
Uma lambança que só faz sentido aos olhos de Bolsonaro, Lira e seus parceiros do Centrão. Afinal, seria possível criar um programa social eficiente, mais barato e que coubesse dentro das contas públicas. Bastava enxugar a máquina (lembram-se da reforma administrativa?), acabar com as emendas de relator e racionalizar, por exemplo, o fundo eleitoral. Mas racionalidade é palavra desconhecida nesse clube, cujo objetivo é um só: gastar mais e sem controle.
Por um lado, recessão, de outro, caos jurídico. O calote viola, por exemplo, a decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2010, que julgou inconstitucional parcelar dívidas da União. A Ordem dos Advogados do Brasil já apontou 30 insconstitucionalidades no texto. Não é difícil imaginar o pontencial de criar confusões jurídicas que a PEC tem.
Diante de tudo isso, cabe aos deputados federais derrubar o projeto na votação em segundo turno, que deve ocorrer nos próximos dias. Se assim não fizerem, a bola vai para os pés dos senadores. Caso o Congresso se omita, mais uma vez, caberá ao STF, diante da enxurrada de ações que surgirão, cumprir seu papel de barreira, blindando as contas públicas do caos.
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