Não há como não se sensibilizar com a indignação do frentista Joelcio Rodrigues dos Santos, que em janeiro deste ano levou um tapa na cara e esteve na mira da arma de um policial militar, em uma agressão flagrada pelas câmeras do posto de gasolina no qual trabalhava em Vila Velha, e desde então aguarda que o agente da lei receba algum tipo de punição.
Enquanto sua vida passou por uma reviravolta após o episódio, o sargento Clemilson Silva de Freitas acaba de receber a quarta prorrogação de uma licença médica. Benefício que permite ao policial o afastamento remunerado até dezembro. Tudo dentro da lei. Tudo igualmente inadmissível.
Em um país no qual magistrados que cometem malfeitos são punidos com aposentadoria compulsória, o caso do PM vem de certa forma se somar a esse seleto grupo de intocáveis. Não se questionam aqui os motivos desconhecidos de seu afastamento temporário, mas é inaceitável que um servidor público flagrado agredindo um trabalhador, com imagens comprovando a descompostura ameaçadora, acabe se favorecendo de regras feitas para poucos, que devem no mínimo ser questionadas em situações extremas como esta.
Nesta semana, A Gazeta noticiou que um outro processo de agressão por PM chegou ao fim. O caso envolvendo o sargento da PM Isaías Segades de Souza, que durante uma confusão no trânsito deu um tapa no rosto de uma adolescente em setembro de 2018 também flagrado por câmera, foi solucionado com a aceitação de um acordo, no qual ficou determinada a doação de um bebedouro industrial de 5 litros e duas torneiras à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) do município da Serra.
No caso do posto de gasolina, o inquérito da Polícia Militar e a denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) foram concluídos, mas a primeira audiência do caso na Justiça está marcada para o final de novembro. Dez meses após a violência registrada pelas câmeras. Não há celeridade no caso, tanto que o Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) da PM ainda está em andamento. E o policial continua recebendo religiosamente seu salário, quando deveria receber um tratamento mais rigoroso pelo simples fato de seu comportamento estar sob suspeição.
Já o frentista, a vítima, vem passando por algumas penitências. Em entrevista a este jornal, Joelcio contou o martírio pessoal vivido em 2020, por si só um ano tão difícil. Ele foi transferido de posto de combustíveis, teve redução de salário e se mudou de casa, tudo para garantir alguma segurança. "Não tem como saber o que se passa na cabeça dele (policial)", explicou Joelcio. Passou a conviver com o medo e com a frustração de não ver o policial responder por seus atos. De vítima, tornou-se o verdadeiro punido. "Se fosse o contrário, eu já estaria preso", desabafou.
Na época da agressão, A Gazeta testemunhou a via-crúcis burocrática que o frentista teve de enfrentar para denunciar a má conduta do policial. Uma outra violência sofrida, com o total desamparo do poder público. Sem orientações oficiais, algo que deveria ser regra na corporação que existe justamente para proteger o cidadão, Joelcio ficou sem rumo, circulando pelo batalhão da PM, pela própria Corregedoria e por uma delegacia da Polícia Civil.
Em um Brasil mais justo, casos flagrantes de violência policial tão despropositados quanto esse seriam tratados com mais dedicação pelas corregedorias e pela própria Justiça, mas o corporativismo é o maior obstáculo. Com investigação e rápida e transparente, não haveria danos à imagem da Polícia Militar. Pelo contrário, é com o rigor que a instituição prega que seus membros indisciplinados devem ser tratados, para que homens fardados que agem sem decoro e respeito ao cidadão não manchem sua tradição bicentenária.
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Joelson não é só um frentista, é um cidadão que merece respeito. Foi hostilizado por cumprir as normas de segurança do posto, ao pedir que o policial militar descesse da moto durante o abastecimento. A contrariedade do policial é patente da forma equivocada com que muitos lidam com o poder no Brasil. A pandemia mesmo foi terreno fértil para abusos por parte de quem não se sujeita a regras por se considerar especial de alguma forma. Reivindicam-se os direitos, enquanto os deveres ficam esquecidos. Não há cidadania possível quando alguns se julgam melhores que os outros.
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