O pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta terça-feira (09) para brecar as chamadas emendas de relator. Também conhecido por "orçamento secreto" e "orçamento paralelo", o mecanismo foi inventado pela articulação política do governo Jair Bolsonaro e seus parceiros do Centrão para turbinar a influência capenga que o Executivo mantinha no Congresso. Na prática, trata-se de compra de apoio parlamentar com dinheiro do contribuinte.
Caso nenhum ministro mude de voto, o STF terá acertado por dois motivos. Primeiro porque trava um sistema de distribuição de dinheiro público sem transparência e controle, ou seja, que vai de encontro com qualquer regra de boa governança e lisura. Segundo porque atende apenas aos interesses paroquiais de alguns congressistas, preocupados apenas com as eleições do ano que vem, deixando de lado os reais interesses do país, motivo original do pagamento de impostos.
A ministra Rosa Weber, de onde partiu a primeira decisão para barrar o descalabro, foi precisa em seu voto: "o orçamento secreto é incompatível com os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da Administração Pública e com o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado”.
Ela complementa: "causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do Orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesa".
A existência de tal mecanismo foi revelada em maio deste ano pelo jornal Estado de S. Paulo. Num primeiro momento, o governo Bolsonaro negou sua existência. Nos últimos meses, o Planalto preferiu se dedicar a dificultar o acesso da imprensa e de órgãos de controle aos caminhos que o dinheiro público está tomando. Até a decisão do STF, R$ 18,5 bilhões estavam reservados, no ano, para este fim. Às vésperas da votação da PEC dos Precatórios em primeiro turno, no dia 4 de novembro, o Planalto distribuiu, por meio de emendas, R$ 1,2 bilhão a deputados. O governo venceu por quatro votos.
Uma velha frase da política explica bem o momento: "não existe vácuo no poder, outra pessoa vai ocupar esse espaço". O fato é que o Congresso, mais especificamente o presidente da Câmara, Arthur Lira, tomou de Bolsonaro a execução do orçamento federal, um dever do Executivo.
Diante de um governo perdido, incompetente, omisso e cada vez mais precisando de base política para se manter estável, Lira viu espaço para tomar o orçamento e distribuir dinheiro entre deputados e senadores que pretendem se reeleger no ano que vem, assim como o presidente da República. Bastava votar com o Planalto que a grana ia para onde o parlamentar indicasse. Claro, longe da luz da transparência que a boa governança pede. Somadas, as emendas individuais, de bancada e de relator chegam a R$ 35,5 bilhões. Num orçamento federal quase 100% comprometido com despesas obrigatórias, não é pouca coisa.
Diante deste cenário, Fabio Giambiagi, um dos maiores estudiosos das contas públicas brasileiras, foi certeiro em artigo recente publicado no jornal O Globo: "Se antes tínhamos a corrupção personificada emblematicamente nas grandes empreiteiras, hoje o financiamento de campanha se dá à luz do dia através do Orçamento, onde os parlamentares, transmutados em vereadores lotados em Brasília, lutam por migalhas (multiplicadas por 513!) na forma de verbas para uma miríade de pequenas obras sem nenhum sentido global. No fim, ficamos com os mesmos parlamentares — e sem as grandes obras".
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