É quase senso comum imaginar que as crianças e os adolescentes, nativos digitais das gerações Z e Alpha, não tenham muito contato com os livros nos dias de hoje. Hiperconectada e curiosa, essa turma consome conteúdos com a rapidez que os dedos deslizam pelas telas dos tablets e celulares.
Mas, para a surpresa de muitos, é justamente o TikTok - aplicativo famoso pelos vídeos curtos de dança e humor - que está ajudando a consolidar uma nova geração de leitores assíduos. As resenhas com indicações de livros viraram febre na plataforma, composta, em sua maioria, por adolescentes e jovens.
O fenômeno, que se repete em vários países, é conhecido como BookTok. Por meio de vídeos criativos, usuários compartilham opiniões sobre os livros, criam listas de autores preferidos, fazem leitura de capítulos e até encenam personagens.
Para se ter uma ideia, os booktokers, como são chamados os amantes da literatura na plataforma, estão por trás do êxito comercial recente de várias obras, entre elas “Vermelho, Branco e Sangue Azul” (Casey McQuiston), “A Garota do Lago” (Charlie Donlea), “Mentirosos” (E. Lockhart) e “Torto Arado” (Itamar Vieira Junior). Todas estão na lista dos livros mais vendidos em 2021, segundo levantamento da PublishNews, e todas foram sucesso de crítica e indicação no TikTok.
Presencialmente, o impacto pode ser visto nas livrarias, que criaram prateleiras com títulos que bombam no TikTok. Na última edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, realizada em julho, booktokers e escritores alçados à fama pelo aplicativo levaram milhares de adolescentes para os corredores do evento.
É fato também que as resenhas literárias não são uma novidade na internet. A prática, inclusive, ainda resiste em outras plataformas, como blogs, Instagram e YouTube. Mas para a pesquisadora Natália Huf, doutoranda em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, o sucesso desses conteúdos no TikTok pode ser explicado pela maneira como o próprio aplicativo funciona.
Enquanto o Instagram cria bolhas por afinidade, a partir das pessoas que o usuário segue, o TikTok prioriza os conteúdos. “Você não depende do número de seguidores para fazer um vídeo viralizar e alcançar mais pessoas. Todo mundo é usuário e criador de conteúdo ao mesmo tempo”, ressalta.
Isso acontece porque os algoritmos do aplicativo são “educados” pelos usuários a mostrar conteúdos que estão alinhados aos seus interesses. Se você fizer uma pesquisa sobre a saga Harry Potter, por exemplo, o TikTok sugerirá mais vídeos relacionados ao mesmo assunto e também temas semelhantes.
“As outras redes sociais demandam que o usuário faça uma busca mais ativa pelos assuntos. Já no TikTok, é só ir rolando a tela para cima que os vídeos aparecem. É mais dinâmico e orgânico”, explica Natália. O perfil dos usuários também é outro diferencial.
Para a neuropsicopedagoga Geovana Mascarenhas, os vídeos do TikTok são bons aliados na formação de novos leitores e podem ser usados, inclusive, na sala de aula. No entanto, pais e professores precisam filtrar esses conteúdos previamente. “É importante verificar também se o livro indicado tem uma linguagem apropriada para a faixa etária da criança ou do adolescente”, pondera.
Em um vídeo de 55 segundos, Patrick Torres (@patzzic), de 22 anos, conta uma história aparentemente chocante. “O meu vizinho espancou a namorada dele outro dia… A polícia veio aqui e tudo”, começa o relato, todo feito em primeira pessoa.
Parece fofoca de bairro, mas é, na verdade, o enredo do clássico “O Estrangeiro”, de Albert Camus, publicado em 1942. Somente esse vídeo já foi visto mais de 5 milhões de vezes e tem quase 900 mil curtidas no TikTok.
A estratégia de apresentar a história do livro como se a pessoa tivesse presenciado todos os fatos narrados, mas sem entregar o desfecho, é conhecida como “fofoca literária”. Bastante utilizado por booktokers de outros países, o estilo se popularizou no Brasil somente em 2021, tendo Patrick como um dos precursores.
O jovem, que também é escritor e estudante de Medicina, hoje tem mais de 300 mil seguidores no TikTok. A publicação dos vídeos começou em abril de 2021. “Resolvi ler 30 livros em um mês e precisava de um espaço para falar sobre eles”, conta.
Filho de uma professora que sempre o incentivou a ler e apaixonado pela obra de Machado de Assis, o estudante não abre mão de falar sobre os clássicos, especialmente os brasileiros.
“As pessoas ainda associam a leitura de Machado de Assis ao ambiente escolar, e isso pode ser um pouco desagradável quando feito por obrigação”, observa. Para driblar essa resistência, principalmente entre os mais jovens, é preciso mostrar que o hábito da leitura pode ser construído de maneira divertida e descomplicada, e é isso que os booktokers têm feito.
“Nosso papel é mostrar a acessibilidade da leitura, que é possível inseri-la no cotidiano. O jovem pode e deve ler e conversar sobre livros para além do ambiente escolar ou acadêmico. A leitura também é um entretenimento de qualidade”, reforça.
Com o sucesso no TikTok, Patrick foi chamado para falar sobre literatura em escolas e seus vídeos são usados por professores. Ele também criou o podcast “Nas horas vagas, Machado de Assis”, em que lê contos do renomado escritor.
Falar sobre um livro que está “bombando” no TikTok é um ótimo pretexto para a criação de um clube de leitura na escola.
Frequentar estandes de livros ajuda a manter o interesse pela leitura. Não é à toa que a presença de escritores e booktokers famosos entre os jovens está crescendo nos eventos literários.
É normal que os jovens deixem de lado os clássicos e está tudo bem. Use as hashtags #booktok ou #booktokers para conhecer novos autores e ficar por dentro do que faz sucesso entre os mais novos.
Que tal incentivar a produção de resenhas literárias no TikTok? A atividade pode ser feita em grupo e o aplicativo conta com diversos recursos de áudios e vídeos para tornar o processo de edição mais criativo.
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