Em resposta à pandemia da Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou um alerta para aquilo que angustiava a população há anos: a “infodemia”. Esse neologismo traduz o fenômeno causado pelo grande fluxo de informações que se espalha pela internet, confundindo as pessoas sobre o que é real e o que não é. No período de emergência de saúde pública, esse cenário atrapalhou a efetividade de ações de combate ao coronavírus, justamente em razão da disseminação de orientações equivocadas sobre a doença e o seu enfrentamento.
Nesse contexto, foi possível perceber que a facilidade de acesso a conteúdos com apenas um clique não significa, necessariamente, ter discernimento para organizar as informações que chegam às pessoas. Mais do que isso, foi quando a comunidade global se deu conta de que o consumo sem filtro do que circula pelas redes pode trazer consequências graves, e até fatais, para quem recebe essas mensagens desinformativas. É aí que entra a educação midiática.
De acordo com a jornalista Daniela Machado, uma das coordenadoras do EducaMídia, programa voltado para a educação midiática do Instituto Palavra Aberta, é preciso, primeiramente, separar o que é desinformação de uma fake news.
“Enquanto a primeira trata-se de qualquer tipo de conteúdo ou prática que contribui para a disseminação de informações imprecisas, não validadas ou pouco claras; as fake news, ao longo dos últimos anos, tornaram-se um termo desgastado por ter sido usado, por muitas vezes, como uma estratégia de manipulação política”, sinaliza.
Ainda conforme explica a jornalista, no geral, a fake news imita veículos tradicionais de mídia para divulgar conteúdos enganosos. “Intencionalmente ou não, isso contribui diretamente para o afastamento das pessoas do conhecimento factual”, acrescenta.
Ela também observa que a desinformação não é necessariamente mentirosa. “Refere-se à confusão que uma informação pode causar, por exemplo, quando um título de um texto motiva inferências equivocadas do leitor ou quando o público não reconhece a diferença entre o que é notícia e o que é opinião ou sátira”, analisa.
Desse modo, na avaliação de Daniela, o primeiro passo para combater a desinformação é reconhecer a natureza do conteúdo.
Quantas mensagens, vídeos e áudios você recebeu hoje? E você sabe quem produziu esses conteúdos? Muitas informações compartilhadas nas redes sociais podem estar incompletas e, para lidar com tudo isso, o letramento midiático é um passo necessário para mudar a consciência das pessoas.
Com esse tipo de educação, qualquer pessoa pode adquirir habilidades como a leitura crítica de diferentes tipos de texto; a capacidade de interrogar de onde veio certa informação, quem e com que intenção a produziu; de analisar evidências mostradas como argumentos; saber reconhecer o que é conteúdo e o que é discurso de ódio; e distinguir a diferença entre os tipos de linguagens, por exemplo.
O professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Rafael Bellan, argumenta que, uma vez que a desinformação é cultivada para confundir, desorientar ou enganar por meio de narrativas, também é fundamental entender como os algoritmos funcionam.
“Esses mecanismos priorizam aquelas informações que possuem efeitos mais imediatos e que despertam os afetos mais rapidamente. Quanto maior o poder de viralização, maior a lucratividade das empresas de tecnologia”, explica.
Nesse cenário ainda mais perigoso nas redes sociais, na visão dele, as escolas têm um papel importantíssimo na formação do sujeito crítico.
Com o crescimento do debate sobre desinformação, a educação midiática se faz cada vez mais necessária e cobrada nas escolas. Para garantir que as crianças, adolescentes e jovens desenvolvam, desde cedo, as habilidades de ler criticamente é fundamental que as instituições de ensino básico estejam atentas ao seu papel.
O diretor-presidente do UP Centro Educacional, professor Fábio Portela, afirma que a escola está ciente de que esse é mais um passo na formação de cidadãos mais críticos, empáticos e capazes de opinar com autonomia.
O professor conta que, na instituição, também é realizada análise criteriosa nessas fontes on-line para descobrir se são confiáveis, investigando tópicos como a descrição do site, a URL, as fotos e os responsáveis pelos conteúdos.
Portela também menciona que os docentes auxiliam os estudantes a verificarem a data de artigos publicados na web. “Algumas manchetes antigas e recortes descontextualizados podem remeter a uma narrativa sobre algo atual. Por isso, recomendamos a comparação da data de publicação do artigo às dos citados pela publicação falsa”, explica.
Preparar os alunos para consumir informações de qualidade, distinguindo-as de comunicação rasa e até inverídica, é função preponderante da escola. Isso é o que também defende o Centro Educacional Primeiro Mundo.
A diretora pedagógica da instituição, Adriana Selga, destaca que a equipe realiza um trabalho consolidado para cumprir essa função. “Por meio do estímulo constante à leitura, ao debate de ideias e à produção de conteúdo a partir de pesquisa, investigação e experimentação, nossos estudantes tornam-se capazes de fazer análises e aferir ideias, conceitos e informações, apropriando-se deles com convicção e segurança”, frisa.
Adriana conta que essa prática é a tônica em todo o trabalho da escola.
Nesse processo, ela explica que a experimentação desempenha papel essencial. “Por meio da busca de soluções para problemas reais, utilizamos um espaço que chamamos de laboratório maker para estimular os estudantes a usarem a criatividade para comprovar teorias, produzir conhecimento e disseminar respostas fundamentadas, com a mediação dos professores”, menciona a diretora pedagógica.
Para o EducaMídia, é papel do estudante analisar os textos em qualquer formato, compreender os mecanismos de busca e produção de conteúdos, adaptar-se às diferentes ferramentas digitais, aplicar o seu conhecimento para solucionar problemas e saber produzir peças de mídia fundamentadas em uma escrita bem desenvolvida e de forma ética e responsável.
Já o educador deve explorar novas abordagens pedagógicas proporcionadas pelas tecnologias, como promover uma cultura de aprendizagem que estimule a curiosidade, usar recursos de mídia no processo de aprendizado, guiar os alunos para práticas éticas e criar experiências engajadoras que os levem a participar de debates de forma crítica.
“Tudo isso é possível quando a escola trata o letramento midiático como uma camada de ensino e aprendizagem, e não somente como uma disciplina separada no currículo”, alerta Daniela Machado.
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