Não é exagero dizer que o audiovisual do Espírito Santo está ganhando o mundo. Após a seleção do documentário "Toda Noite Estarei Lá", de Tati Franklin e Suellen Vasconcelos, para um laboratório no tradicional festival Visions du Réel, na Suíça, chegou a vez de curtas-metragens do Estado ganharem uma mostra especial na plataforma de streaming norte-americana Cinelimite, que conta com programação voltada para a produção brasileira.
Já em cartaz, e durante 30 dias, o evento virtual exibirá gratuitamente nove títulos capixabas com legendas em inglês, o que garante o acesso universal às produções, dando grande visibilidade para o cinema produzido por aqui.
Esta é a primeira exibição de uma plataforma internacional dedicada a projetos do Estado. Além dos filmes, o site apresentará uma série de artigos, entrevistas e vídeo-ensaios.
Batizada de “O Mundo Visto e Sonhado – Uma Coleção de Filmes do Espírito Santo” ("The World Seen and Dreamt: A Collection of Films from Espírito Santo"), e com curadoria de Vitor Graize, a mostra apresenta um panorama do cinema capixaba a partir da perspectiva das iniciativas de preservação.
"A coleção de filmes tem dois recortes: um histórico e um com o conceito de preservação. Esses dois critérios se encontram quando pensamos nas seis primeiras obras do programa. São filmes que podem ser exibidos hoje em formato digital porque passaram por etapas de restauração ou digitalização ao longo de sua história e essas iniciativas devem ser valorizadas. Era uma proposta do Cinelimite que chegássemos ao cinema contemporâneo estabelecendo uma conexão com o passado", aponta Graize.
Entre os títulos citados pelo curador estão marcos da cinebiografia espírito-santense, como "Cirurgia do Coração no Espírito Santo" (1967), de Ramon Alvarado, recentemente digitalizado pelo projeto Acervo Capixaba da Pique-Bandeira Filmes com apoio do Funcultura; "Kaput" (1967), de Paulo Torre; "Ponto e Vírgula" (1969), de Luiz Tadeu Teixeira; e dois projetos considerados definitivos de um dos símbolos do cinema local, Orlando Bomfim: "Tutti Tutti Buona Gente, Propriamente Buona" (1975) e "Canto Para a Liberdade – A Festa do Ticumbi (1978)".
Um título específico chama a atenção, especialmente por seu caráter raro. Trata-se de "Cenas de Família", gravado em 1926 por Ludovico Persici, um dos primeiros registros audiovisuais do Espírito Santo.
Descobertas somente nos anos 2000, mas filmadas há quase cem anos, as imagens de Persici receberam, após a restauração coordenada pela Secretaria de Cultura (Secult) e pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (Apees), o título de "Cenas de Família", mesmo representando uma série de passagens na tela, como paisagens e personagens ao longo de uma viagem de trem pelo interior do Estado. A exibição do filme acompanha um artigo escrito por Margarete Taqueti, dissecando a saga envolvendo sua descoberta e restauração.
Os outros títulos escolhidos, "A Lenda de Proitner" (1996), de Luiza Lubiana, "No Princípio Era o Verbo" (2005), de Virgínia Jorge, e "Das Águas que Passam" (2016), de Diego Zon, de acordo com Vitor, podem ser considerados marcos na trajetória do audiovisual do Estado, sendo imprescindíveis na carreira de seus cineastas.
"Eles apontam caminhos, perspectivas e linguagens diversas e parecem funcionar bem em conjunto e com os outros títulos. Os dois primeiros representam ainda um cinema de película, do 16mm e 35mm. É interessante destacarmos que esses filmes, de 20 ou 30 anos, já correm o risco de desaparecimento se não criarmos uma política de preservação, não apenas de digitalização. Lamento não ter incluído nenhum título da fase do vídeo, mas é bem difícil ter acesso a algumas obras e acredito que há muitos recortes possíveis e histórias ainda a serem contadas", avalia.
A programação não conta apenas com exibição de filmes, mas é complementada por ensaios textuais e visuais, além de entrevistas que serão lançadas ao longo do mês e que contribuem para uma reflexão sobre a produção capixaba.
Por falar em reflexões, o cinema do Espírito Santo será analisado em um artigo do professor e cineasta Erly Vieira Jr, um dos responsáveis - ao lado de Lizandro Nunes e Virgínia Jorge - por um dos filmes locais mais premiados, "Macabeia", vencedor, entre outras láureas, do Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado, em 2001.
"Também destaco um depoimento em vídeo do cineasta Ramon Alvarado, pioneiro do cinema amador capixaba e um grande diretor de fotografia, que filmamos especialmente para o programa. No processo de curadoria, estabeleci um diálogo interessante com William Plotnick, diretor e programador do Cinelimite, um jovem pesquisador e incentivador do cinema brasileiro", detalha Graize.
Vitor adianta que, nos próximos meses, ainda em 2021, o Cinelimite pretende exibir toda a coleção do cineasta Orlando Bomfim, restaurada pelo projeto Acervo Capixaba, o que também ampliará esse espectro do cinema local.
"Acredito que iniciativas como essa são importantes para todo o cinema brasileiro, não apenas o produzido no Espírito Santo. É raro que o cinema capixaba ocupe espaços como esse, mas precisamos buscar esse reconhecimento o tempo todo e nos orgulhar de termos uma filmografia rica e diversa. Alguns filmes estão sendo programados internacionalmente pela primeira vez, com legendas em inglês, e isto abre novas possibilidades de contato entre os filmes e o público. Precisamos discutir a preservação da memória do nosso audiovisual", complementa.
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