Carioca de nascença, mas capixaba de coração, o realizador Rodrigo de Oliveira ganhou uma retrospectiva de sua cinematografia promovida pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio). Até 25 de abril, os cinéfilos podem conferir os seis filmes (três longas e três curtas) do cineasta, em sessões on-line, com transmissão gratuita pelo canal da Cinemateca do MAM-Rio, na plataforma Vimeo.
Amante e mestres como Pier Paolo Pasolini e Phillipe Garrel, Oliveira exprime dos citados realizadores - em seus projetos como diretor - o gosto pelo intimismo, pelo vazio existencial, o silêncio, e pela turbulenta relação do homem com as forças da natureza.
Basta olhar para projetos como "As Horas Vulgares" (2012), baseado na obra de Reinaldo Santos Neves e co-dirigido em parceria com Vitor Graize, elegantemente fotografado em preto-e-branco por Lucas Barbi, e “Teobaldo Morto, Romeu Exilado” (2014), sua primeira direção solo, para constatarmos um realizador inquieto e atento às crises existenciais inerentes ao nosso cotidiano.
É também de autoria de Oliveira, em parceira com Gustavo Ribeiro, o documentário "Todos os Paulos do Mundos" (2017), sensível retrato da carreira de Paulo José como ator, partindo dos clássicos como "Todas as Mulheres do Mundo" a "Macunaíma". Pelo trabalho, Rodrigo levou o Grande Prêmio Brasil de Cinema de Melhor Documentário, em 2019, o Oscar do cinema brasileiro.
"Toda retrospectiva é uma tentativa de construir História, e, no caso da minha, o que se carrega junto é o valor de uma geração inteira do cinema capixaba. Até pouco tempo, vivíamos de tentativas quixotescas de bravos realizadores que filmavam quase à revelia da valorização que o Estado e a cultura davam ao cinema", afirmou Rodrigo de Oliveira, em bate-papo com o "Divirta-se" para falar sobre a mostra promovida pelo MAM-Rio.
Além dos longas, o evento contará com a exibição os três curtas do realizador, “Eclipse Solar” (2016), vencedor do Prêmio Canal Brasil de Curtas, “Ano Passado Eu Morri” (2017), que teve estreia no Festival de Brasília, e “Os Mais Amados” (2019), lançado no Festival de Vitória.
A sessão “O Cinema de Rodrigo de Oliveira” também terá um debate com a presença do realizador, no próximo dia 15, às 16h, com transmissão pelo YouTube e Facebook. Mediada pela pesquisadora capixaba Kênia Freitas, a mesa contará com a presença de parceiros frequentes do cineasta, como o ator Romulo Braga, o fotógrafo Lucas Barbi, o montador Luiz Pretti e o produtor Vitor Graize.
Abaixo, veja trechos da conversa de Rodrigo de Oliveira com o "Divirta-se":
Toda retrospectiva é uma tentativa de construir História, e, no caso da minha, o que se carrega junto é o valor de uma geração inteira do cinema capixaba. Até pouco tempo, vivíamos de tentativas quixotescas de bravos realizadores que filmavam quase à revelia da valorização que o Estado e a cultura davam ao cinema. Hoje, existe de fato uma geração, profissional e atuante, apoiada por políticas públicas, com eco da universidade e do mercado, tendo projeção nacional e internacional. Isso diz muito sobre o caminho que se cumpriu. Minha retrospectiva é a primeira desse tipo numa instituição como o MAM, mas certamente não será a última.
Ter entrado no cinema através da crítica marca profundamente a minha experiência na realização. Me orgulho de fazer filmes modernos, na tradição de modernismo que ficou interrompida pelo governo Fernando Collor (no início da década de 1990) com o fim da Embrafilme. Essa tradição, inclusive, o movimento de retomada da produção nacional não soube aproveitar: o cinema dos velhos mestres do Cinema Novo e do Cinema Marginal, que tiveram suas carreiras sustadas. Sabe-se lá o que teriam realizado se a indústria tivesse se recuperado nos mesmos termos. Essa consciência é a do estudante de cinema brasileiro, do crítico que se debruçou sobre a nossa história. Eu faço filmes no Espírito Santo, e a história do cinema brasileiro é onde eles vão morar quando saem de mim: é fundamental que os filmes conversem e tentem expandir essa história.
"Horas" foi filmado em 16mm e finalizado digitalmente, em um momento em que o mercado ainda estava entendendo a chegada do digital. Sem o suporte digital, não teríamos como lançá-lo. O projeto foi o começo da retomada tardia do cinema capixaba, sendo o primeiro longa-metragem com financiamento público em 16 anos. Sobre ele, pesavam as esperanças de uma geração inteira que não conseguiu filmar nesse formato. Não é incomum ouvir que esse foi o primeiro filme capixaba que alguém de fora assistiu. A gente gostava dessa responsabilidade: a de levar o Espírito Santo para fora daqui, mas também a de fazer um filme profundamente capixaba, porque isso era necessário.
O encontro com Paulo José foi transformador, porque me tirou da teoria sobre o cinema brasileiro e me colocou nos braços da própria história viva dele. Estar com Paulo é estar com uma ideia de Brasil que está minguando, mas que tem uma força incrível de resistência, de amor e de verdade sobre o país real. Imagina o luxo de ter nas mãos os filmes com Paulo José e poder, como diretor e montador, cortar de um plano incrível do Joaquim Pedro de Andrade para outro do Domingos Oliveira, e colocar por cima uma voz do Paulo gravada pelo Walter Hugo Khouri?
As novas gerações me estimulam muito, inclusive no sentido de me aproximar e trabalhar junto. Eu sempre aguardo pelos filmes novos de Carol Covre, Daiana Rocha, Diego Zon, Anderson Bardot e Diego de Jesus, entre muitos outros.
A cultura é um direito inalienável do povo brasileiro e não existe cultura que não venha do próprio povo. O Espírito Santo é um dos poucos lugares no Brasil onde ainda se pode sonhar com cinema, nos termos modestos que temos. Mas o tempo em que o cinema brasileiro podia ser encerrado com uma canetada já passou. Há muita luta ainda pela frente, mas vejo uma classe unida em torno de um valor inquestionável: o cinema é uma indústria sustentável, que gera empregos e devolve dinheiro à economia de modo muito mais direto e eficiente que outras indústrias maiores.
"Os Primeiros Soldados" aborda uma questão delicada e fala sobre três pessoas da comunidade LGBTQIA+ de Vitória que descobrem viver com o vírus HIV, no estouro da crise da AIDS no começo dos anos 1980, quando a doença ainda sequer tinha nome. O elenco é encabeçado por Johnny Massaro, pela grande atriz trans paulista Renata Carvalho e por um elenco enorme de talentos capixabas. Filmamos no final de 2019, em locações entre Vitória e Domingos Martins, e sonhamos com um lançamento no segundo semestre de 2021 ou assim que a vacina nos permitir.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta