Símbolo de magia negra, satanismo, ocultismo e até exorcismo, o macabro Livro de São Cipriano, cuja primeira edição foi lançada na Europa, em 1846, se tornou uma bem-vinda (e deliciosa) obsessão na carreira do cineasta capixaba Rodrigo Aragão.
A obra, que virou lenda urbana em um país marcado pelo misticismo como o Brasil, está presente em todos os cinco longas-metragens do realizador de Guarapari, em especial "A Mata Negra" (2018), onde um pavoroso "cramulhão", que se esconde nas sombras, é invocado (o repórter confessa que ficou sem dormir por várias noites após ver a cena).
A amaldiçoada coletânea de São Cipriano, que nem foi escrita por ele, diga-se de passagem, continua sendo a "vedete" da carreira do cineasta. Tanto que é protagonista de seu novo projeto, "O Cemitério das Almas Perdidas". Em fase de pós-produção, a fita foi selecionada para abrir o tradicional "Cinefantasy- Festival Internacional de Cinema Fantástico", que acontece de 7 a 20 de setembro.
Por conta da pandemia do novo coronavírus, saem as disputadas sessões presenciais, em São Paulo, dando lugar a exibições em formato on-line pela plataforma Belas Artes A La Carte. A programação completa não foi divulgada, mas a mostra trará, em seu décimo aniversário, um total de 37 sessões, com 140 títulos, de 29 países diferentes.
"Cara, todos os meus projetos passaram por lá. É bacana reencontrar esse público especial, pois os fãs dos filmes de terror são seguidores fiéis e sempre acompanham eventos desse tipo", relata Aragão, falando que viveu "momentos mágicos" durante o Cinefantasy.
"Uma vez dividi a sala com o mestre José Mojica Marins, você imagina o que é isso?", suspira, dizendo que o formato de exibições on-line tem um lado positivo. "Apesar de não ter o contato maravilhoso com o público, vai ser uma chance para várias pessoas conferirem 'O Cemitério' em primeira mão, em qualquer lugar do mundo. Coisas da internet!", brinca.
"O Cemitério das Almas Perdidas" é o que Rodrigo Aragão chama de seu "primeiro grande épico". Com um orçamento de R$ 2,1 milhões (que contou com o aporte do Fundo Setorial de Cinema e financiamento do governo do Espírito Santo, por meio do Funcultura), o longa-metragam contará com elaborados efeitos especiais, grandes cenários, cenas com muitos figurantes, e, claro, o Livro de São Cipriano. A câmera usada foi a moderna Arri Alexa, muito comum em produções hollywoodianas.
"Escrevi o roteiro em 2002, mas, pela sua grandiosidade, só queria filmar quando tivesse um orçamento bacana. Conseguimos gravar em 2018 e o processo de pós-produção, até por conta da pandemia, está bastante demorado. É um filme com muitos efeitos digitais e estou tendo que acompanhar remotamente. Ainda não ficou pronto (risos). Estou morrendo de ansiedade para ver o primeiro corte", revela, para, enfim, detalhar a "misteriosa (assombrosa) trama".
"Vamos contar como o Livro de São Cipriano (sempre ele) chegou ao Brasil, tendo como hipótese sua vinda com os Jesuítas. É uma ficção que faz uma alegoria sobre a colonização do Espírito Santo. Terá religiosos, bandeirantes, igreja em cima do morro (numa referência ao Convento da Penha), fantasia, lutas de espadas, batalhas épicas, índios, mortos-vivos e sangue, muito sangue", brinca, soltando altas gargalhadas do outro lado do telefone.
"A fita foi filmada em Guarapari, em meu primeiro roteiro rodado quase que totalmente em estúdio. Passamos quatro meses construindo cenários em um local da Praia do Morro", comenta, afirmando que trabalhou com quase 70 profissionais capixabas.
"Fizemos cursos de formação e especialização em diversos setores, de cenografia à atuação. Um bom orçamento nos proporcionou dar uma capacitação melhor para o nosso pessoal. Vejo como uma mão de obra qualificada para futuros projetos", comemora.
Com prestígio no mercado internacional, especialmente por conta do sucesso nos circuitos de festivais ("A Mata Negra" foi premiado no Fantasporto, uma das mais importantes mostras de cinema fantástico do mundo), Rodrigo Aragão conseguiu que "O Cemitério das Almas Perdidas" fosse comercializado no exterior primeiro.
"Fechamos com um representante que está vendendo para vários países. Quero fazer carreira nos festivais também. Está um ano estranho, com as salas fechadas. Não dá para fazer muitos planos em termos comerciais por agora", lamenta, dizendo que, no Brasil, o título vai ser distribuído pela independente Elo Company, ainda sem data para estrear na sala escura.
"Faço filmes populares. Quero que o povo veja e se divirta. 'Cemitério' foi um trabalho difícil e espero agradar aos fãs. Desejo, futuramente, poder lançá-lo em serviço de streaming, alcançando o maior número de pessoas possíveis", planeja.
Mas, voltando ao Livro de São Cipriano (o repórter está mais obcecado pelo tema do que o cineasta). Por que a obra está presente em toda a cinematografia de Rodrigo? Seria mandinga, promessa, feitiço?
"Não sei dizer", desconversa, saindo pela tangente. "Têm magias interessantes, tipo essa coisa de ficar invisível, voar, evocar espíritos", detalha, dizendo que, no novo filme, o "coisa ruim" que se esconde nas sombras, relatado no início da matéria, estará mais "presente, vivo e real do que nunca". Resumindo: mais noites de horror estão por vir!
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