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Porta dos Fundos aposta na sátira política em especial de Natal

Porta dos Fundos aposta na sátira política em especial de Natal

"Teocracia em Vertigem", um falso documentário que fala sobre a crucificação de Cristo, estreia nesta quinta-feira (10). Grupo avisa: "Jesus não vai voltar"

Publicado em 9 de dezembro de 2020 às 17:55

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Fábio Porchat vive um irado Jesus em
Fábio Porchat vive um irado Jesus em "Teocracia em Vertigem". (Daniel Chiacos)

"Por que depositaram 89?mil moedas de prata na conta da ex-mulher do Judas?", questiona um indignado apóstolo Pedro, em certo momento do falso documentário "Teocracia em Vertigem", o novo (e polêmico, como de costume) Especial de Natal do Porta dos Fundos, que estreia nesta quinta-feira (10), no canal do grupo no YouTube.  

A passagem, crítica a uma recente "situação monetária", se assim podemos chamar, da família presidencial brasileira, é só um exemplo de um filme que não tem medo de ousar. O projeto acerta ao apostar na metalinguagem e no humor politicamente incorreto para traçar paralelos entre a história da crucificação de Jesus e a (triste) realidade do Brasil, um país em constante ebulição, polarizado entre esquerda e direita, e, como se não bastasse, vivendo em uma eterna crise econômica e social. 

No país, lutar contra as fake news, desmandos e intolerâncias religiosas é apenas a "cereja do bolo"... Espera: a matéria é para falar sobre o Brasil ou o filme? Na verdade, a Jerusalém retratada em "Teocracia em Vertigem" sofre dos mesmíssimos problemas.

"O humor é uma atividade política, não tem jeito!", retruca Gregório Duvivier, em coletiva on-line para promover o lançamento do novo projeto, que também estreia no canal do Porta dos Fundos no recém-lançado serviço de streaming Pluto TV. 

"Jesus, como no filme, era um ser político, tanto que foi crucificado por contestar o regime romano. Cristo foi despolitizado pela Igreja, em sua tentativa de expansão pelo mundo. O que fizemos em 'Teocracia' é resgatar essa essência: um homem que pregava o amor há dois mil anos, muito diferente do que defende os fundamentalistas, que o vendem como uma pessoa vingativa e dogmática", retruca o ator. 

"Teocracia em Vertigem" - que conta com participação da cineasta Petra Costa, diretora de "Democracia em Vertigem", que é devidamente satirizado no novo longa - pode ser encarado como um projeto que nasceu em épocas de caos. O roteiro, de acordo com Fábio Porchat (também presente no encontro) estava escrito desde maio, mas, com a pandemia da Covid-19, era praticamente impossível de ser filmado. 

"O (roteirista) Gabriel Esteves teve essa ideia de fazer um falso documentário, tendo como base os filmes do cineasta americano Christopher Guest (dos excelentes "O Melhor do Show", 2000, e "Os Grandes Músicos", 2003), que também brinca com o gênero. Assim, colocamos os atores sozinhos em cena, falando para a câmera, com poucas locações e pessoas nos sets", adianta o humorista, revelando que, para escrever a história, estudou passagens bíblicas à exaustão.   

"Tentei ser fiel à história. Por não serem muito religiosos, a maioria das pessoas desconhece a vida de Jesus. Tentei fazer uma trama explicadinha, para o público não se perder. A opção por usar imagens de pinturas, que remetem a obras sacras, também teve esse intuito."

IDENTIDADE

Os especiais "Se Beber, Não Ceie" (2018) - vencedor do Emmy Internacional - e "A Primeira Tentação de Cristo" (2019) - que passou por um processo de censura, que acabou em julgamento no STF - foram produzidos pela Netflix. O novo filme, porém, terá outra estratégia de lançamento.  

"Optamos pela volta às nossas origens, postando o filme no YouTube. Faz parte do DNA do Porta dos Fundos. É um projeto feito à base de muita pesquisa. Tentamos usar passagens bíblicas reais com frases que, literalmente, foram ditas no processo de impeachment de Dilma Rousseff", explica Porchat, para justificar as passagens que mostram uma "votação em plenário" na hora de decidir a morte de Cristo.

Evelyn Castro interpreta Maria, em "Teocracia em Vertigem". (Daniel Chiacos)

"'Teocracia' pretende fazer um retrato da polarização de nosso país. Vivemos em um lugar onde o secretário de cultura chama um humorista para a 'porrada' (risos). Muita gente pode ver Jesus como uma metáfora a Lula e Dilma. Ao mesmo tempo, no início do filme, vemos Maria (Evelyn Castro) falando que seu filho, antes de morrer, virou um 'mito'. Vocês sabem a quem estou me referindo (risos)", satiriza João Vicente de Castro, presente no bate-papo. 

Muito bem humorado, o ator brincou, chamando Mario Frias para um "embate braçal". "Estou aqui. É só marcar a hora. Adoraria conhecer o lugar em que ele nasceu", afirmou, referindo-se à polêmica recente em que o secretário especial de Cultura do governo federal disse que Marcelo Adnet "não duraria um minuto" onde ele cresceu.

INTOLERÂNCIA

Brincadeiras à parte, "Teocracia em Vertigem", que aposta mais no viés político que no religioso, não deve causar tanta polêmica como o "A Primeira Tentação de Cristo". "Muito simples. O problema do filme era porque sugeria que Jesus tinha uma relação homoafetiva. Foi um caso de homofobia clara! O cidadão de bem da família brasileira está preparado para ver uma obra que mostra corrupção, rachadinhas e 'laranjas', mas não ver Jesus como gay", dispara Antonio Tabet, outro membro do Porta presente na coletiva.   

Tabet, inclusive, relembrou o atentado sofrido pelo grupo em sua sede no Rio de Janeiro. O ataque foi promovido em dezembro de 2019, por um grupo que se dizia "extremista cristão". "Só estamos vivos porque recebemos 'apenas' três bombas na cara. Se Jesus fosse negro e gay, seriam seis. Não estaríamos aqui para contar a história", ironiza.

Gregório Duvivier, em atuação na sátira "Teocracia em Vertigem", que chega ao YouTube nesta quinta (10). (Daniel Chiacos)

As imagens do incidente criminoso, captadas pela câmera de segurança do prédio, aparecem em "Teocracia em Vertigem". Elas embalam um momento de pura lisergia, em que Jesus (Fábio Porchat) aparece entoando um hip hop - ao lado de Teresa Cristina e Silvia Machete - dizendo que está cansado dos erros do homem e não pretende voltar à Terra, como muitos cristãos defendem e esperam.

"Ele diz que já veio travesti, negro e mulher e foi morto pelos intolerantes. Acredito que agora ele só volta para acabar com tudo", brinca o humorista, com a sua peculiar descontração. E se Porchat estiver certo? 

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