Os números por trás do curta-metragem capixaba "Inabitáveis"(2020) - uma das atrações do tradicional CineFantasy, podendo ser conferido pelo site de quinta (9) até o dia 19 de setembro - impressionam, especialmente por tratar-se do primeiro trabalho de Anderson Bardot.
Ao todo, o filme participou de 56 festivais, entre nacionais e internacionais, incluindo o mais importante do mundo para produções independentes, o Rotterdam Film Festival, e levou 13 prêmios. Coloque na conta um estratégico Emerging Artist Awards, do OutSouth Queer Film Festival/EUA, uma espécie de "cineastas para ficar de olho nos próximos anos".
O primeiro projeto de Bardot é intrigante e ousado, um bem-vindo frescor à produção audiovisual do Estado. Seu "Inabitáveis", um libelo contra o racismo e a transfobia, é pulsante, com uma fotografia verborrágica (no bom sentido) de Igor Pontini criada para emoldurar uma fábula que mescla experimentalismo, mise-en-scène e surrealismo.
Anderson é ousado até quando erra, ao passar uns bons (e desnecessários) minutos de projeção dissecando o processo de escravidão no ES, visto sob a ótica dos negros que "valiam menos" no trabalho do cultivo do café ou nas passagens que retratam as Ruínas da Igreja de São José do Queimado, na Serra, em que parte do curta foi rodado.
"Curiosamente, Queimado foi uma das passagens que mais causou impacto no exterior. Em Roterdã, muitas pessoas vieram me perguntar mais sobre a história", adiantou Bardot, que usa o sobrenome artístico em homenagem à diva francesa Brigitte Bardot.
A trama de "Inabitáveis" é fragmentada, em sua paixão pelo experimentalismo. Nela, uma companhia contemporânea de dança está prestes a estrear um novo espetáculo, que aborda a homoafetividade negra. Paralelamente aos ensaios, o coreógrafo (Markus Konká) constrói uma amizade com Pedro (Castiel Vitorino Brasileiro, em grande atuação), um jovem menino negro que não se identifica como rapaz.
"O roteiro é original, mas fizemos uma homenagem ao espetáculo 'Inabitáveis', de 2013, comandado por Gil Mendes. Tanto que os atores Mauro Marques e Lucciano Coelho repetem seus papéis no filme", adianta o realizador, dizendo que seu projeto traz metáforas sobre alguns preconceitos que permeiam a sociedade, independente da época.
"Tentamos mesclar à história de Vitória desde a questão do racismo estrutural. Não à toa, rodamos parte do curta em pontos como o Palácio Anchieta e a Catedral Metropolitana. Vemos o patrimônio físico, político, econômico e até espiritual se contrapondo a corpos negros. Muitos deles ajudaram a construir a cidade", reflete Anderson.
Uma cena chama a atenção pela beleza estética e pelo forte impacto emocional. Pedro (Castiel), sob a chuva, implora por uma oportunidade de expressar sua arte, tendo como "companheira" a polícia, em um papel claro de repressão.
"Essa repercussão, especialmente do exterior, é fascinante. Ir para Roterdã, em minha primeira viagem internacional e para uma mostra tão representativa, tem uma força muito grande. Além disso, estamos entre os semifinalistas do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (O Oscar da produção nacional) e concorrendo à premiação da Associação Brasileira de Autores Roteiristas. Vivo dizendo que se for meu, será meu (risos). Só o reconhecimento, especialmente por tratar-se do primeiro trabalho como diretor solo, é válido", adianta o cineasta, que deve rodar o seu segundo projeto em março de 2022.
"Procuro o Teu Auxílio Para Enterrar um Homem" será um filme de época rodado em Domingos Martins, com trama que se passa no século XVIII. No elenco, os atores Margareth Galvão, Guaja, Miguel Reis e Fagner Soares. "Comecei a produção pelo figurino, o mais complexo. Serão estórias paralelas, como uma mulher que busca enterrar um homem, um soldado que se rebela e uma cigana trans, tentando não ser condenada. A história de uma criança vai uni-los", explica, soltando (meio sem querer) que tem um projeto de um longa-metragem engavetado.
"Ainda está em fase de roteirização. O filme vai se chamar 'O Sagrado Coração de Vaquíria'. Mas isso é história para se pensar em 2024", despista, com a certeza de que muitos novos projetos estão por vir.
"Inabitáveis" é um dos 111 filmes selecionados para 12º Cinefantasy – Festival Internacional de Cinema Fantástico, o principal do gênero no País. Participam filmes de longas-metragens (ficção e documentários) e curtas-metragens de 34 países em 15 mostras competitivas. A exibição dos filmes acontece de 9 a 19 de setembro de forma gratuita pela plataforma Innsaei.tv.
As 15 mostras competitivas do 12º Cinefantasy – Festival Internacional de Cinema Fantástico, traz diversão para todos os públicos. Os longas-metragens estão divididos em duas mostras competitivas: ficção e documentário. Os curtas-metragens estão divididos em outras 13 mostras: Ficção Cientifica, Fantastic Black Power, Fantástica diversidade, Horror, Animação, Brasil Fantástico, Espanha Fantástica, Estudantes, Fantasmas, Fantasteen, Mulheres Fantásticas, Pequenos Fantásticos, Amador.
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