Com mais de 37 projetos desenvolvidos, em quatro anos de iniciativa, o selo Elas - divisão da distribuidora Elo Company que fomenta longa-metragens dirigidos por mulheres - selecionou o documentário capixaba “E quem se importa?”, da jornalista e cineasta Roberta Fernandes.
Ainda em fase de pré-produção, o filme promete uma dolorosa radiografia sobre o feminicídio no Espírito Santo, misturando documentário e ficção, bem ao estilo de "Moscou", do mestre Eduardo Coutinho.
Crimes desse tipo, infelizmente, ainda são muito comuns no Estado, que já foi um dos recordistas do país em números de mulheres assassinadas anualmente. De acordo com dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), em 2020 foram registradas 26 mortes por razões de gênero.
"Fizemos uma vasta pesquisa sobre o assunto, usando dados oficiais da Secretaria de Estado de Direitos Humanos - por meio do Mapa da Violência - e também boletins de ocorrência", adianta a realizadora.
"No filme, duas atrizes (que ainda serão selecionadas) vão dar vida e voz a essas vítimas, num processo de construção de personagem, deixando claro que a morte é a última violência que sofreram, mas não a primeira", lamenta Roberta, dizendo que a produção conseguiu a liberação para gravar (sem mostrar pessoas ou mesmo o endereço) na Casa Abrigo, espaço que o governo estadual destina para acolher mulheres em risco iminente de morte devido à situação de violência doméstica e familiar.
“E quem se importa?”, que tem esse título (ainda provisório) por conta de uma reportagem sobre a violência contra a mulher publicada em 1982, por A Gazeta, com assinatura de Glecy Coutinho - que deve participar do filme dando depoimentos -, será o primeiro longa-metragem dirigido por Roberta.
As gravações ainda não tem prazo para começar. Além da pandemia da Covid-19, os produtores esperam a liberação do orçamento de R$ 400 mil pela Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Uma das proprietárias da produtora capixaba Andaluz, Roberta Fernandes ganhou destaque com o curta-metragem "Se Você Contar" (2017), quando, em sua estreia atrás das câmeras, levou o prêmio Canal Brasil de Curtas, no Festival Internacional de Documentários “É Tudo Verdade”, o maior da América Latina, além de ter faturado o Grande Prêmio Canal Brasil de Curtas, em 2018.
"'Se Você Contar" trazia depoimentos de mulheres que sofreram abusos sexuais na infância. 'E quem se importa?', por sua vez, mostra a realidade de mulheres que, antes de serem mortas, também passaram por vários tipos de abusos, incluindo psicológicos. Os dois filmes têm um apelo feminista muito forte. O fato de ser mulher fez com que eu entendesse essa dor, dando prioridade à abordagem desse assunto doloroso", justifica.
Sobre a seleção para o Elas, a capixaba detalha que enviou uma proposta de distribuição para a Elo Company, ficando surpresa quando Barbara Sturm - diretora da iniciativa - ligou, a convidando para integrar o projeto.
"É muito significativo participar de uma ação que incentiva o trabalho da mulher no audiovisual. É o meu primeiro longa e o projeto vai me dar a oportunidade de passar por várias mentorias, que auxiliam desde a pré-produção até o lançamento. Também saber que terei garantida a distribuição nos cinemas é um atrativo a mais", confessa.
"Vivemos em uma sociedade machista, onde as mulheres ainda têm pouco acesso à produção audiovisual, quanto mais na cadeira de direção. Precisamos de cada vez mais mulheres diretoras, por questão de diversidade e representatividade".
Além de "E quem se Importa?", o ELAS selecionou em 2021 os filmes “As Flores do Recôncavo”, de Glenda Nicácio e Ary Rosza (BA), “Coração de Lona”, de Tuca Siqueira (PE), “Avenida Beira-Mar”, de Maju de Paiva (RJ), “Ecoloucos”, de Cibele Amaral (DF) e “Sereis uma só carne”, de Andréia Kaláboa (PR). O capixaba é o único documentário da lista.
Prolífico, o ELAS já lançou cinco filmes (“Amores de Chumbo”, “Torre das Donzelas”, “O Incerto Lugar do Desejo”, “Aos Olhos de Ernesto” e “Mulher Oceano”) e conta com nove longas em pós-produção.
“Além desta busca em ampliar a presença feminina no cinema, já que elas ocupam apenas 19% da direção dos filmes nacionais, nós temos o compromisso de escolher realizadoras de diversos estados do Brasil, tendo como foco dar voz a um cinema brasileiro plural”, conta Barbara Sturm, diretora e criadora da iniciativa.
“Neste ano, temos seis projetos selecionados, sendo cinco deles de realizadoras fora do eixo Rio-São Paulo. E o grupo de consultores cresceu de 20 para 24 profissionais da indústria audiovisual”, complementa.
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